Única coisa que nos afasta do crescimento é saber de onde tiraremos os R$ 300 bi para fechar as contas
Não são pequenas as chances de Jair Bolsonaro dar certo na economia. E de implementar por um bom tempo uma agenda de retrocessos em outras áreas. Sobretudo em temas caros à esquerda.
Além de ter perdido a eleição, a esquerda pode ficar à deriva por um longo período caso a equipe de Bolsonaro consiga entregar o contrário do que o PT propôs na campanha —mais gastos estatais para tirar o país da crise e a não urgência na reforma da Previdência.
O paradoxo hoje é o seguinte: o Brasil nunca esteve tão quebrado, precisando de quase R$ 300 bilhões por ano para conter a trajetória explosiva da dívida pública. Por outro lado, raramente teve condições tão propícias para voltar a crescer.
Apesar do endividamento estatal recorde (próximo a 80% do PIB), os juros básicos pagos a quem financia a dívida pública (todos os que têm alguma aplicação no banco) estão em 6,5% ao ano. Com uma inflação de 4%, o juro real é de 2,5% --algo muito baixo para nossos padrões.
Há uma capacidade produtiva inutilizada nas empresas de 25%, ante a média mais apertada pré recessão de 17%. Isso permite que o consumo volte a crescer —e as empresas a produzir mais— sem pressões sobre a inflação.
No setor externo, que no passado nos levou repetidamente ao FMI, a situação é invejável. Há US$ 380 bilhões em reservas (acumuladas pelo PT) e expectativa de saldo comercial acima de US$ 60 bilhões neste ano —valor próximo ao que deve entrar também em investimentos.
Em resumo, a única coisa que nos afasta do crescimento é saber de onde tiraremos os R$ 300 bilhões para fechar as contas. Eles podem vir de uma mistura de corte de gastos, aumento de impostos e de uma arrecadação maior caso o crescimento acelere.
Na equipe montada por Paulo Guedes (Economia) encontram-se alguns dos melhores técnicos da praça. Muitos são funcionários de carreira que têm, há anos, um diagnóstico bastante coerente dos problemas. Entre eles:
1) a produtividade do trabalho cresce em ritmo muito lento, com alta de apenas 17% em 20 anos, ante 34% na média dos países desenvolvidos;
2) gastos com a Previdência equivalentes a 8% do PIB, mais que o dobro do percentual em países com demografia parecida com a nossa;
3) despesas da máquina federal que dobraram para 19,5% do PIB nos últimos 25 anos, também pela remuneração de servidores, que aumentou até três vezes acima do que é pago no setor privado.
Atacar esses pontos exigirá mexer diretamente na máquina pública e em quem forma as bases dos partidos de esquerda no Brasil, como funcionários públicos representados pela CUT e seus sindicatos.
Se der certo, Bolsonaro não só pode alijar por um bom tempo a esquerda do poder. Mas chegar a isso minando justamente o seu principal terreno.
Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.
Folha de S.Paulo