Em 2018, 353 imigrantes foram beneficiados por programa oferecido pelo governo ibérico
Em Portugal, a quantidade de imigrantes brasileiros que precisam de ajuda financeira para comprar a passagem de volta para o Brasil cresceu 52,1% no último ano, atingido maior valor proporcional já registrado: 93% de todos os auxílios dados pelo governo.
No ano passado, 353 brasileiros foram beneficiados por um programa de retorno voluntário oferecido pela OIM (Organização Internacional das Migrações) em parceria com o governo português.
Desde 2007, os brasileiros são, com folga, a nacionalidade que mais recorre a esse auxílio. E, nos últimos dois anos, a liderança brasileira em relação às outras nacionalidades tem sido cada vez maior.
“A proporção de brasileiros rondava os 80% na última década. Em 2017 e 2018 foi de cerca de 90%”, explica Luís Carrasquinho, um dos representantes da OIM em Portugal.
Mesmo sendo a maior comunidade estrangeira em Portugal, a quantidade de brasileiros representa apenas 20,3% do total de imigrantes no país.
Por trás de muitos pedidos de auxílio, explica Carrasquinho, está a imigração sem preparação prévia, muitas vezes desconhecendo a realidade dos requisitos para a legalização em território português.
“Apesar de haver muita informação disponível na internet e nos canais oficiais, nós atendemos pessoas que desconheciam aspectos básicos sobre documentos, moradia e acesso à saúde. Muitos simplesmente só recorrem a amigos ou familiares.”
Um casal de Minas Gerais, que pediu para não ter seus nomes revelados, é um exemplo da situação. Eles voltaram ao Brasil após um ano e meio vivendo na zona da Costa da Caparica, região metropolitana de Lisboa.
Atraído pela experiência de um familiar que vivia no país, o casal vislumbrou uma vida melhor do que a que levava no Brasil. No fim, eles não tinham trabalho fixo nem dinheiro para o aluguel.
Em situação irregular em Portugal, o casal dependia do acesso a um contrato de trabalho formal para dar início ao processo de legalização. Apesar das promessas de alguns empregadores, inclusive brasileiros, isso nunca aconteceu.
A mulher do casal trabalhou num café por quase três meses. Segundo o relato, a dona do estabelecimento enrolava para não assinar os papéis.
Ao exigir o pagamento de € 300 pelo serviço prestado, a brasileira ouviu da proprietária que poderia ser denunciada ao ao SEF [órgão responsável pela imigração].
Casos semelhantes de não pagamento, longas jornadas de trabalho e precariedade laboral são comuns entre os imigrantes não regularizados.
A maior parte dos brasileiros que busca o auxílio do governo para voltar ao país chegou faz pouco tempo a Portugal, com um ou dois anos de permanência no país. A grande maioria tem escolaridade até o ensino médio e é oriunda de três estados: Minas Gerais, Goiás e São Paulo.
Entre as principais razões apontadas para a desistência de viver no país europeu estão a dificuldade de conseguir trabalho, problemas na regularização e insuficiência de recursos financeiros.
“A situação em Portugal se alterou nos últimos anos. O custo de vida ficou bem mais alto. Um apartamento sai por 800, 900 euros, mais do que o salário mínimo [de 600 euros, cerca de R$ 2.530]. Essas pessoas não conseguem empregos para suportar as despesas. As poupanças que muitos trazem do Brasil não duram muito tempo”, diz Carrasquinho.
“A decisão de voltar é mais difícil do que a de emigrar. Quando a pessoa sai do seu país, tem muitas expectativas, não só dela própria, mas também dos familiares e amigos. Voltar é entendido por muitos como um sinal de fracasso”, diz o representante da OIM.
Por isso, muitos preferem esconder as circunstâncias do retorno ao Brasil até das pessoas mais próximas.
Além de custear as passagens para o país de origem, o programa de retorno voluntário pode ir além. Se os candidatos tiverem uma ideia de negócio (e perfil para tirá-lo do papel), a organização pode ajudar com até € 2.000 para custear a iniciativa no Brasil ou mesmo patrocinar cursos de qualificação para os selecionados.
Para fazer parte do programa é preciso preencher alguns requisitos. Os beneficiários não podem ter nacionalidade portuguesa ou de outro país da União Europeia. Eles ainda têm de se comprometer a não voltar a Portugal —nem para visitar, exceto por “razões humanitárias”, de acordo com a lei— por pelo menos três anos.
Como requisitar o auxílio:
www.retornovoluntario.pt
Telefones: +351 213 242 940 ou +351 915 030 860
Caso desejem retornar antes desta “quarentena”, o governo português exige que o imigrante devolva aos cofres públicos as despesas com a viagem para o Brasil e outros custos eventuais. Segundo os responsáveis pelo programa, casos assim são raríssimos.
O número de brasileiros que pediram o auxílio em 2016 é baixo em relação aos outros anos devido a uma mudança na liberação do financiamento, o que fez com que o programa ficasse quase nove meses sem atender ninguém.
POPULAÇÃO
Após seis anos em queda, o número de brasileiros vivendo em Portugal voltou a subir em 2017, de acordo com os dados oficiais.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteira de Portugal contabilizava 85.426 brasileiros em território português, uma alta de 5,1% em relação ao ano anterior.
O número total de cidadãos brasileiros no país, porém, é bem maior. Brasileiros com dupla nacionalidade portuguesa (ou de qualquer outro país da União Europeia) não entram na conta, assim como, obviamente, os imigrantes em situação irregular.
Os dados de 2018 ainda não foram divulgados, mas o SEF já adiantou que houve um aumento significativo. Um indicativo pode ser notado pela demanda por serviços consulares, que gerou filas e obrigou a contratação de mais funcionários.
No consulado do Brasil em Lisboa, a busca por certificado de antecedentes criminais, documento exigido nos processos de visto e de regularização, aumentou 128% em um ano. Em 2017, foram emitidos 13,6 mil desses documentos, contra 31,1 mil certidões em 2018.
Diante da crise econômica no Brasil e do momento de recuperação vivido em Portugal, as autoridades migratórias detectaram um aumento também da imigração ilegal.
A quantidade de brasileiros impedidos de entrar no país —e em toda a Europa— vem aumentando nos últimos dois anos.
“No caso dos retornos voluntários, o número está se aproximando do que tínhamos antes da crise em Portugal. Acho que não há muita margem para crescer mais do que isso”, opina o representante da OIM Luís Carrasquinho.
Folha de S.Paulo