Pago por todos nós, acordo com caminhoneiros foi feito ao arrepio da lei
O Estado de Direito, os pesos e contrapesos da democracia e o respeito aos mecanismos de propor novas regras do jogo podem ser imperfeitos. Pior, apenas, é a alternativa.
Temos assistido nos últimos anos, de forma crescente, a grupos defenderem seus interesses na contramão das dificuldades do país.
O mais recente é a paralisação dos caminhoneiros autônomos.
Um único acordo propõe desrespeitar tantas leis e o Poder Executivo acha razoável continuar com a negociação.
O acordo imposto ao governo federal pede reserva de mercado a sindicatos de motoristas autônomos para oferecer serviços de transporte, que ficariam dispensados da lei de licitação; pede tabelamento de preços para o transporte por caminhões.
A conta será paga pelo contribuinte. Por todos nós.
Nada como um governo fraco pressionado por grupos de interesse em meio a muitas tentativas de implementar o que se acha correto, mesmo que ao arrepio da lei. Não tem dado certo. Basta olhar para trás.
Há uma bem-vinda insatisfação com a corrupção. Agentes do Estado têm buscado punir o malfeito.
Algumas vezes, porém, as regras existentes dificultam o andamento dos processos. A reação em alguns casos foi desrespeitar as regras.
O descontrole não começou recentemente. O governo anterior adorou programas de incentivo que claramente violava as regras da OMC (Organização Mundial de Comércio), da qual o Brasil é signatário.
Pois bem, o programa fracassou, o país desperdiçou uma enormidade de recursos e fomos condenados pela OMC.
Em 2013, o governo quis aumentar os gastos públicos e permitir que os estados fizessem o mesmo. Mas não havia dinheiro.
Foram criados inúmeros artifícios, como o aval para que estados tomassem empréstimos mesmo que a análise risco indicasse que não conseguiriam pagar as suas dívidas.
Regras contábeis foram manipuladas para permitir que o governo federal continuasse a expandir os seus gastos sem que isso ficasse aparente nas contas públicas.
Deu tudo errado.
Os estados quebraram e a crise fiscal do governo federal se tornou inevitável, com graves consequências para o país.
O descontrole do país resulta dos muitos grupos que defendem seus interesses particulares ainda que em prejuízo do país, em meio a salvadores da pátria que acham razoável descumprir a lei para fazer o que acham melhor.
Dissemina-se o desrespeito à norma legal.
Vamos sucumbir aos chantagistas e aos autoritários; ou vamos resgatar o respeito ao Estado de Direito?
Doutor em economia, foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda (2003 a 2005). Preside o Insper.
Fonte: Folha de S.Paulo, 28 de maio de 2018.