Depois de ouvir as sustentações orais da primeira ação direta de inconstitucionalidade contra a reforma trabalhista, o ministro Luís Roberto Barroso pediu tempo para refletir. A sessão desta quarta-feira (9/5) foi então suspensa pela presidente da corte, ministra Cármen Lúcia. Barroso, relator da ação, se comprometeu a levar o voto na sessão desta quinta-feira (10/5).
Procuradoria-Geral da República, Advocacia-Geral da União, quatro entidades em favor da ação e duas pela manutenção dos termos da Lei 13.467/2017, se manifestaram acerca da sessão. “Para que possa levar em conta as sustentações que muito me impressionaram e mesmo o diálogo interno com os colegas que também pensam da mesma forma gostaria de refletir sobre até amanhã sobre o tema”, afirmou o relator.
Conforme o trecho impugnado da nova CLT, o trabalhador deverá arcar com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios e periciais de sucumbência, o uso dos créditos obtidos, ainda que em outro processo, para esse fim automaticamente e se é constitucional o pagamento de custas processuais pelo reclamante, ainda que beneficiário da Justiça gratuita, em caso de ausência injustificada à audiência.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que os dispositivos são uma afronta afronta à garantia de amplo acesso previsto na Constituição de 1988. “Está na contramão do movimento democrático que consolidou as garantias fundamentais”, disse, ressaltando também que a Justiça do Trabalho é constitucionalmente vocacionada para atender as demandas da grande massa trabalhadora. Sem isso, o direito à jurisdição se resume, de acordo com ela, a miragens, frustrando o projeto constitucional.
“Esta lei ora impugnada investe, assim, contra garantia fundamental do trabalhador socialmente mais vulnerável, subtraindo do beneficiário para pagamento processuais recursos econômicos indispensáveis para o sustento de sua família e que, por isso, não raro assume caráter de mínimo existencial.”
A advogada-geral da União, Grace Mendonça, por outro lado, questionou se os pontos atacados tocam indevidamente o núcleo de intangibilidade de acesso à justiça gratuita. E defendeu que não. Para ela, o legislador originário não concedeu gratuidade indiscriminadamente, mas para aqueles que comprovem insuficiência de recursos.
“Se os recursos forem suficientes, não há razão para socializar os custos daquele que se beneficia. Há um custo arcado por toda a sociedade para fazer frente a essa prestação. Portanto, a política pública distributiva é também, nesse caso, sujeito ao princípio calcado na escassez de recursos. Não há como admitir-se que o programa de assistência judiciária se coadune com recursos supérfluos”, sustentou.
Na visão de Grace, o que chama de inovação trabalhista foi, na realidade, resultado da busca por equilíbrio por parte dos legisladores evitando generalização em relação à carência financeira e distorções que estimulariam litigância de má fé. Dessa forma, é possível ampliar recursos para aquele que de fato necessita da assistência do Estado.
Desestímulo ao trabalhador
Como amicus curiae pela Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Raphael Sodré Cittadino, além de cumprimentar os integrantes da corte, a PGR e a AGU, quebrou o protocolo para cumprimentar também os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. Ele afirmou que não há reavaliação do benefício da justiça gratuita a partir da edição da lei no que se refere aos tópicos atacados pela ADI, o que, de acordo com ele, é amplamente permitido, previsto em lei agora e antes.
“O juiz pode, eventualmente entendendo que um reclamante destinatário de um crédito vultuoso deixou a condição de pobreza, determinar que arque com custas e honorários advocatícios e periciais. Não se trata disso. O objeto desta ação é o pagamento de custas e honorários por pessoas pobres no sentido da lei. É o trabalhador que tem o direito de receber um ou dois salários mínimos como crédito trabalhista e terá um salário mínimo bloqueado para pagar o valor de um honorário pericial por exemplo, algo não só permitido como devido por essa nova lei”, apontou.
O advogado da CGTB defendeu que a lei é direcionada a desincentivar o trabalhador a recorrer ao Judiciário. “O desincentivo direcionado, ao pobre, ao miserável no sentido da lei, não pode ser recepcionado na Constituição Federal. O estado não pode reconhecer alguém como pobre e, a partir desse reconhecimento, passar a tratar como se rico fosse”, disse, enfatizando que, assim sendo, trata-se de flagrante violação ao princípio da isonomia.
Pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), o advogado José Eymard ressaltou que pesquisas do Tribunal Superior do Trabalho indicam que a maioria dos pedidos pleiteiam direitos básicos, como verbas rescisórias, adicional de insalubridade, horas extras. “É disso que se está falando neste processo”, disse.
Eymard afirmou que a ação não trata de litigância de má fé e que, ainda assim, este não é o caso da maior parte dos beneficiários da Justiça do Trabalho. “Esta é a Justiça que acolhe os mais pobres, mas nem isso estamos discutindo. Aqui se cuida de excesso cometido pelo Congresso Nacional em relação àqueles que são beneficiários e que ficarão em condição pior que aquele que se cuida na Justiça comum”, comparou.
Luis Antônio Camargo Melo, pela Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), concordou afirmando que os próprios empregadores sugerem que o trabalhador vá à Justiça do Trabalho: “Frase bastante repetida nos corredores é a que o patrão diz ao funcionário: busque seus direitos. E geralmente ele vai atrás de verbas rescisórias, oriundas do rompimento do contrato que não são adimplidas no momento do rompimento. Porque ganha-se com isso, é lucrativo ao empresário. E é esse trabalhador que não poderá mais se socorrer na justiça do trabalhador”, apontou. Ele prevê situações em que o advogados terão quantias maiores que os próprios trabalhadores.
Assim entende também a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. Alberto Pavie Ribeiro falou pela entidade. Do ponto de vista da magistratura, ele diz que há um sentimento de perplexidade entre os juízes. “Os juízes do trabalho estão perplexos com a situação onde ao julgar uma demanda trabalhista onde há uma sucumbência recíproca ter de dar mais-valia aos honorários de sucumbência do advogado do que a verba alimentar do trabalhador. A lei deu um privilégio para os honorários advocatícios dos reclamados”, disse. Dessa forma, com o pretexto da litigância de má fé, a reforma, votada, de acordo com ele, a toque de caixa, atingiu trabalhadores pobres.
Teoria do caos
Em defesa da reforma da CLT, o advogado representante da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Flávio Henrique Unes Pereira, considerou relevante diferenciar pontos que estavam sendo colocados. “Falou-se muito em assistência judiciária gratuita, que não se confunde com o que é tratado aqui, que são os benefícios da gratuidade em relação ao ônus processual. Se é um problema de Defensoria Pública, isso pode ser objeto de ação por omissão, por exemplo, ou alguma outra ferramenta”, sugeriu.
“Se dermos racionalidade maior aos recursos públicos, talvez tenhamos recursos para estruturar a Defensoria Pública. O constituinte não deixou absolutamente solta a gratuidade. Cabe ao legislador estabelecer uma baliza. E ele repetiu o dispositivo da Constituição ‘, destacou. Para ele, não se pode levar a análise de uma norma ao limite, em uma teoria do caos. Assim, nenhuma norma resistiria.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) foi representada por Rudy Maia Ferraz, que acrescentou que o produtor rural está submetido a insegurança jurídica ao lidar com demandas temerárias. “Quando colocou a possibilidade de essas peculiaridades da Justiça gratuita, o legislador buscou fomentar a orientação jurídica do emprego. O benefício da gratuidade previsto está intrinsecamente ligado ao princípio da boa fé processual. Nós não podemos usar o benefício para eximir o demandante de qualquer responsabilidade.”
Fonte: Conjur, 10 de maio de 2018