O Brasil realiza eleições a cada dois anos, alternando entre municipais e gerais. Nas eleições municipais, são eleitos 5.569 prefeitos e vice-prefeitos e 58.414 vereadores. Já nas eleições gerais, são eleitos o presidente da República e seu vice, 27 governadores e vice-governadores, 81 senadores (alternadamente, sendo 27 ou um terço numa eleição e 54 ou dois terços na seguinte), 513 deputados federais e 1.059 deputados estaduais/distritais. Dessa forma, todos os titulares dos poderes Legislativo e Executivo são escolhidos pelo voto popular, em eleições periódicas, com sufrágio universal e secreto. O total de representantes eleitos é de 65.664, sendo 60.067 para cargos no Legislativo e 5.597 para o Executivo.

Para entender o resultado das eleições, é essencial compreender a complexidade do sistema eleitoral, especialmente no caso das eleições proporcionais (para vereadores e deputados), e analisar os fatores conjunturais que moldaram o cenário político, como os recursos de poder de cada partido.

O sistema eleitoral brasileiro divide-se em majoritário e proporcional. No sistema majoritário, utilizado para eleger o presidente da República, governadores, prefeitos e senadores (o único cargo do Legislativo eleito por esse sistema), o processo é simples: o mais votado vence. No entanto, no caso do Executivo em localidades com mais de 200 mil eleitores, se nenhum candidato atingir a maioria absoluta dos votos no primeiro turno, ocorre um segundo turno entre os dois mais votados.

Aldemario Araujo Castro

Já o sistema proporcional, utilizado na eleição aos cargos de deputados federais, estaduais/distritais e vereadores, é mais complexo. A conversão de votos em mandatos segue três critérios: 1) o primeiro critério requer o atingimento de 100% do quociente eleitoral[1] e, pelo menos, 10% dele pelas candidatas ou candidatos; 2) o segundo exige maior média e atingimento de 80% do quociente pelos partidos ou federações, além de 20% desse quociente pelas candidatas ou candidatos; 3) o terceiro critério, aplicável quando não houver mais partidos políticos ou federações que tenham alcançado votação de 80% do quociente eleitoral e que tenham em suas listas candidatas ou candidatos com votação mínima de 20% desse quociente, beneficia os candidatos e candidatas mais votados dos partidos ou federações que atingirem a maior média, conforme intepretação do STF (ADIs 7228, 7263 e 7325).

  •  O quociente eleitoral é calculado pela divisão do número de votos válidos (nominais e nas legendas) pelo número de vagas disponíveis para os cargos em disputa, desprezando-se a fração se igual ou inferior a meio. Cada quociente eleitoral atingido dá direito a uma vaga ao partido ou federação na casa legislativa.

Quanto aos fatores que influenciaram os resultados das urnas no pleito de 2024, destacam-se quatro eventos cruciais: 1) o expressivo volume de recursos disponíveis nos fundos partidários; 2) o aumento substancial do fundo eleitoral; 3) o uso do orçamento secreto e das emendas impositivas, incluindo as chamadas “emendas pix”; e 4) a suspensão temporária da rede social X (antigo Twitter) por decisão judicial, que coincidiu com o primeiro turno das eleições. Os três primeiros fatores beneficiaram principalmente os grandes e médios partidos, em especial os do Centrão e da direita, que detinham a maior parte desses recursos. Já a suspensão da rede social X prejudicou os partidos de direita e a oposição radical, uma vez que essa plataforma era seu principal meio para divulgar notícias falsas e ações de desinformação contra os demais partidos, em geral, e à esquerda, em particular.

Esse cenário resultou em um pleito marcado pela continuidade e valorização da experiência, com a esmagadora maioria dos prefeitos e vereadores que buscaram a reeleição sendo reconduzidos aos cargos. No caso dos prefeitos, 81% dos que buscaram a reeleição obtiveram sucesso.

Como a maioria dos prefeitos e vereadores pertence atualmente aos partidos do Centrão (MDB, PSD e União Brasil) e da direita (PL, PP e Republicanos), era natural que essas forças políticas predominassem nas eleições, o que de fato ocorreu. Embora os dois principais partidos de esquerda (PT e PSB) também tenham crescido, esse aumento foi proporcionalmente menor em comparação com a direita.

Contudo, é importante analisar esses resultados sob duas perspectivas: a primeira é a comparação com as eleições de 2020, que demonstram o crescimento das forças do Centrão e da direita. A segunda é a composição atual das bancadas de prefeitos e vereadores, resultante da janela partidária entre março e abril de 2024, quando muitos prefeitos e vereadores trocaram de partido sem perder seus mandatos. Essa migração resultou num crescimento artificial dessas agremiações partidárias, especialmente dos partidos do Centrão, que fizeram busca ativa de filiação desses detentores de mandato. A análise predominante para o resultado deste pleito municipal considera apenas a referência da eleição de 2020, quando para os resultados da eleição para deputados e senadores geralmente o parâmetro é o da bancada no momento da eleição. A tabela ilustra o desempenho partidários nos municípios no período de 2020 a 2024.

        Evolução das bancadas partidárias nos municípios de 2020 a 2024

Desempenho dos partidos

Prefeitos

Vereadores

Variação

Eleição

Atual – como é

Eleição

Eleição

Atual –

Eleição

Eleição 2024/Atual

2020

2024 –

2020

como é

2024

Prefeitos

Vereadores

PSD

654

1.040

888

5.701

6.712

6.624

-14,6%

-1,3%

MDB

785

916

861

7.345

7.335

8.109

-6,0%

10,6%

PP

687

706

752

6.379

7.167

6.950

6,5%

-3,0%

União Brasil

558

605

589

5.552

5.521

5.485

-2,6%

-0,7%

PL

346

371

523

3.464

4.173

4.957

41,0%

18,8%

Republicanos

212

324

439

2.578

3.796

4.645

35,5%

22,4%

PSB

252

324

311

3.008

3.261

3.583

-4,0%

9,9%

PSDB

522

310

273

4.403

4.377

3.002

-11,9%

-31,4%

PT

182

265

251

2.668

3.915

3.128

-5,3%

-20,1%

PDT

314

180

151

3.431

2.564

2.503

-16,1%

-2,4%

Avante

82

140

136

1.048

1.045

1.525

-2,9%

45,9%

Podemos

219

93

126

3.038

2.183

2.329

35,5%

6,7%

PRD

265

69

76

3.190

3.193

1.414

10,1%

-55,7%

Solidariedade

134

60

62

2.122

1.350

1.251

3,3%

-7,3%

Cidadania

140

41

33

1.580

1.582

437

-19,5%

-72,4%

Mobiliza

13

20

21

196

*

360

5,0%

PcdoB

46

35

19

707

692

354

-45,7%

-48,8%

Novo

1

4

18

29

27

263

350,0%

874,1%

PV

46

13

14

810

805

488

7,7%

-39,4%

Rede

5

6

4

172

144

149

-33,3%

3,5%

Agir

1

2

3

215

*

296

50,0%

DC

1

0

2

253

*

123

PMB

1

3

2

46

*

109

-33,3%

PRTB

6

0

1

216

*

97

PSOL

5

2

0

93

90

80

-100,0%

-11,1%

Fonte: Partidos Políticos e Tribunal Superior Eleitoral

*sem dados

Conforme a tabela, no Centrão há diferenças significativas quanto se utiliza os dois parâmetros. Partidos como o PSD e o União Brasil, por exemplo, embora tenham registrado crescimento em relação às eleições de 2020, tiveram redução no número de prefeitos e vereadores em comparação à sua bancada atual. O mesmo ocorreu com o MDB, que, apesar de ter crescido em relação a 2020, teve redução do número de prefeitos em relação à bancada presente antes das eleições.

Já nos partidos de direita, o crescimento se deu em relação aos dois parâmetros. O PL e o Republicanos cresceram em relação à composição atual e às eleições de 2020, porém o PP, embora tenha crescido em comparação ao pleito de 2020 nos dois cargos, registrou uma redução em sua bancada atual de vereadores. O partido Novo, outro representante da direita, assim como o PL e os Republicanos, cresceu em ambos os parâmetros na disputa pelos cargos de prefeito e vereador.

Entre os principais partidos de esquerda (PT e PSB) houve crescimento do número de prefeitos eleitos em relação a 2020, mas ambos sofreram perdas em comparação com sua bancada atual. No caso dos vereadores, o PT perdeu representação em relação à bancada atual, mas cresceu em comparação a 2020, enquanto o PSB obteve crescimento em relação aos dois parâmetros.

Por outro lado, os demais partidos de esquerda (PDT, PCdoB, PSOL, PV e Rede) reduziram suas representações nas prefeituras e câmaras de vereadores em ambos os critérios, com exceção da Rede, que teve um leve crescimento no número de vereadores.

Entre os partidos de centro-direita, como PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos, PRD e Avante, nenhum conseguiu crescer em ambos os critérios em número de prefeitos e vereadores. O PSDB e o Cidadania enfrentaram uma redução significativa no número de prefeitos e vereadores. O Solidariedade aumentou o número de prefeitos em relação à bancada atual, mas retrocedeu em comparação às eleições de 2020, além de ter reduzido sua bancada de vereadores em ambos os critérios. O Podemos cresceu no número atual de prefeitos, mas elegeu menos do que em 2020, situação que se repete na eleição para vereadores. O PRD aumentou o número atual de prefeitos, mas sofreu uma redução em comparação ao pleito de 2020, e teve uma diminuição no número de vereadores em ambas as hipóteses. O Avante, por sua vez, cresceu em comparação às eleições de 2020, mas diminuiu em relação à sua bancada atual de prefeitos, embora tenha registrado um crescimento no número de vereadores nas duas hipóteses.

Quanto ao desempenho dos dois principais líderes políticos do país – o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro – pode-se afirmar que ambos tiveram uma participação limitada nas eleições municipais. No entanto, nas duas capitais onde se envolveram de maneira mais ativa, São Paulo, no caso de Lula, e Rio de Janeiro, no caso de Bolsonaro, o presidente obteve um desempenho superior. Lula conseguiu levar seu candidato, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), ao segundo turno em São Paulo, enquanto o candidato de Bolsonaro, o deputado Alexandre Ramagem (PL), foi derrotado já no primeiro turno no Rio de Janeiro.

As novidades dessas eleições municipais, que foram marcadas pela continuidade, incluem um aumento da presença feminina nas prefeituras e câmaras de vereadores, o crescimento do número de evangélicos e policiais eleitos, em sua maioria conservadores e de direita, e a entrada do MST na institucionalidade, com a eleição de mais de uma centena de vereadores.

Em conclusão, as eleições municipais de 2024 revelaram a complexidade do cenário político brasileiro, tanto em termos do sistema eleitoral quanto dos fatores conjunturais que moldaram os resultados. A predominância de partidos do Centrão e da direita nas prefeituras e câmaras de vereadores foi reforçada, impulsionada por recursos financeiros e estratégias políticas eficazes, como a migração partidária. Por outro lado, a esquerda, embora tenha registado algum crescimento, não teve o mesmo desempenho das forças conservadoras. A participação limitada dos principais líderes políticos nacionais, Lula e Bolsonaro, também influenciou as disputas, com Lula obtendo um desempenho melhor. O pleito trouxe ainda novidades importantes, como o aumento da presença feminina e evangélica na política, além da inserção do MST no cenário institucional, destacando as transformações em curso na política nacional.

Autoria

Antônio Augusto de Queiroz Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV). Ex-diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), idealizador e coordenador da publicação Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina publica.

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