País precisa decidir seu papel na cadeia de valor da IA, explorando suas vantagens naturais e buscando avanços tecnológicos para obter maior poder e desenvolvimento

por Luís Antônio Paulino

A nova fronteira da tecnologia é o domínio da Inteligência Artificial. Há hoje no mundo uma verdadeira corrida entre países e empresas de tecnologia para ver quem chega primeiro ao domínio completo dessa nova tecnologia que está mudando não apenas como nos organizamos para produzir as coisas, mas também como nos relacionamos uns com os outros.

Não há uma única área da atividade humana que não possa ser impactada pelo uso da Inteligência Artificial. Defesa, segurança, educação, saúde, agricultura, manufaturas, serviços, comunicação, lazer, cultura, administração pública, enfim, tudo que é feito utilizando a inteligência e o trabalho humano pode ser afetado, para o bem e para o mal, pelo uso da Inteligência Artificial.

Daí a enorme preocupação dos países com a regulação do seu uso, que tanto pode trazer muitos benefícios, quanto embute grandes riscos. Obviamente, além dos benefícios e malefícios do seu uso, o domínio da Inteligência Artificial também significa acúmulo de poder, riqueza e lucros para quem dominar essa nova tecnologia. Por isso, assistimos a uma disputa ferrenha entre países, nomeadamente entre Estados Unidos e China, e entre empresas de tecnologia para ver quem fica com o que na complexa cadeia de valor da Inteligência Artificial.

O desenvolvimento da Inteligência Artificial implica na oferta e uso de inúmeros recursos materiais e humanos, desde supercomputadores, semicondutores ultra avançados, data-centers para guardar volumes gigantescos de dados, algoritmos cada vez mais complexos para processar esses dados, quantidades enormes de energia para fazer tudo isso funcionar, muita água para refrigerar os equipamentos, minerais raros para produzir esses semicondutores e tecnologias avançadas para processar essas mesmas matérias-primas.

A principal matéria-prima da Inteligência Artificial, na verdade, são os dados. Precisam ser coletados, classificados e armazenados em gigantescos data-centers, pois sem eles não há como as máquinas “aprenderem” a executar com precisão tarefas cada vez mais complexas. E, obviamente, fábricas para produzir esses computadores e semicondutores, fábricas para produzir as máquinas que vão produzir os semicondutores, além de mão de obra ultra especializada para projetar esses equipamentos, semicondutores, softwares e algoritmos. Também há necessidade de mão de obra não especializada e barata para coletar e preparar os dados que alimentarão esses gigantescos data-centers, algoritmos e supercomputadores.

Há, portanto, nessa extensa cadeia de valor, atividades mais e menos sofisticadas, mais e menos intensivas em uso de energia, que demandam mão de obra de diferentes níveis de qualificação, que geram mais ou menos lucros e, sobretudo que dão mais ou menos poder para quem as executa. Desde a mineração de metais raros necessários para a produção dos semicondutores, processamento desses minerais, que exige grande quantidade de energia e tecnologias sofisticadas, geração e armazenamento de energia elétrica, construção dos data-centers para armazenamento de dados, desenvolvimento e produção de semicondutores e de equipamentos para a sua produção, desenvolvimento de softwares e algoritmos para o processamento de dados e daí por diante. Cada uma dessas atividades demanda diferentes níveis de qualificações de mão de obra; diferentes volumes de capital; diferentes escalas de produção e níveis de tecnologia e, obviamente, captam diferentes parcelas da renda gerada ao longo de todo o ciclo. Por isso, como em qualquer cadeia de valor, a disputa é pela parte que ficará com cada participante, cada um querendo ficar com a parte mais estratégica e lucrativa.

Conforme informa o site da rede CNBC (17/4), “O processador gráfico de próxima geração da Nvidia para inteligência artificial, chamado Blackwell, custará entre US$ 30.000 e US$ 40.000 por unidade, disse o CEO Jensen Huang a Jim Cramer da CNBC na terça-feira no “Squawk on the Street”. “Tivemos que inventar alguma nova tecnologia para tornar isso possível”, disse Huang, segurando um chip Blackwell. Ele estimou que a Nvidia gastou cerca de US$ 10 bilhões em custos de pesquisa e desenvolvimento. O preço sugere que o chip, que provavelmente terá grande demanda para treinamento e implantação de software de IA como o ChatGPT, terá um preço semelhante ao de seu antecessor, o H100, conhecido como Hopper, que custa entre US$ 25.000 e US$ 40.000 por unidade, segundo estimativas de analistas. A geração Hopper, lançada em 2022, representou um aumento significativo no preço dos chips de IA da Nvidia em relação à geração anterior”.

Já o silício, matéria-prima a produção dos semicondutores, custa entre US$ 1.000 e US$ 1.500 a tonelada.  Uma tonelada de espodumênio, rocha de onde é retirado o lítio, largamente utilizado nas baterias elétricas, custa US$ 195. Como são necessárias 8 toneladas de rocha para produzir uma tonelada de lítio, acrescentando o custo do frete, produzir uma tonelada de lítio custará aproximadamente US$ 1.960.

A pergunta que precisamos responder, portanto, é em que etapas dessa cadeia de valor o Brasil quer se inserir, o que definirá qual parcela da renda gerada desse negócio multibilionário vai ficar no país, que tipo de empregos serão gerados e, principalmente, qual será o domínio efetivo sobre essa nova tecnologia e sua influência sobre a regulação de seu uso.

Tentando responder a essas inúmeras questões fóruns de discussão têm sido criados com a participação de agentes públicos e privados, dentre eles as grandes empresas do setor, acadêmicos e cientistas e representantes dos poderes Executivo e Judiciário. As sugestões óbvias que vêm sendo colocadas na mesa baseiam-se na velha teoria das vantagens comparativas estáticas: se o Brasil tem grande disponibilidade de recursos minerais essenciais para essas novas indústrias e grande potencial para geração de energia limpa, deveria se concentrar nessas etapas da cadeia de valor que usam intensamente esses recursos. Ou seja, na mineração dos elementos químicos demandados por essas novas indústrias, instalação de data-centers que exigem grande quantidade de energia e água, fornecimento de mão de obra barata para preparação de dados e não muito mais que isso.

Matéria do jornal Valor Econômico (29/03), informa, por exemplo, que “a consultoria alemã Statista projeta que a receita de serviços de data centers no Brasil some US$ 4,97 bilhões neste ano, chegando a US$ 6,54 bilhões em 2028, uma taxa de crescimento anual composta de 7,10%.

A expansão dos centros de dados também exige mais consumo de energia, necessária para fazer funcionar os servidores e computadores que trabalham sem parar. O consumo de energia dedicado a serviços de dados prestados pelos data centers, no país, alcançará 742,54 Megawatts (MW) em 2024. E deve chegar a 1,205 Giga watt (GW) em 2029, projeta a empresa de pesquisas indiana Mordor Intelligence. A consultoria prevê 1,4 milhão de metros quadrados de área construída dedicada a data centers no Brasil até 2029.

No mundo, os gastos com serviços de data centers devem superar US$ 261,3 bilhões em 2024, um avanço de 7,5% em relação ao valor investido em 2023, informa a consultoria Gartner. Em 2023, foram US$ 243,1 bilhões, com avanço de 7,1%, em base anual”.  A já citada Carta Brasil-China informa que cerca de 70% dos custos operacionais médios de um data center chinês são atribuídos à eletricidade.

Matéria do Financial Times (17/4), informa que “o fornecimento de eletricidade está se tornando o mais recente ponto de estrangulamento a ameaçar o crescimento da inteligência artificial, de acordo com os principais chefes da indústria tecnológica, na medida em que os centros de dados sedentos de energia aumentam a pressão sobre as redes em todo o mundo. O bilionário Elon Musk disse este mês que, embora o desenvolvimento da IA tenha sido “restringido pela escassez de chips” no ano passado, o último gargalo para a tecnologia de ponta foi o “fornecimento de eletricidade”.

Segundo o jornal Valor Econômico (28/3), “Nos últimos dois anos, de acordo com um cálculo da Bloomberg, a Amazon comprometeu-se a gastar US$ 148 bilhões para construir e operar centros de dados em todo o mundo. A empresa planeja expandir suas estruturas de servidores (ou “fazenda de servidores”, no jargão do setor) já instaladas no norte da Virgínia e no Oregon (EUA), bem como avançar para novas localidades, incluindo Mississippi, Arábia Saudita e Malásia.”

Ninguém questiona que seria interessante para o Brasil explorar esses elos da cadeia de valor da IA em que possui as vantagens comparativas naturais, ou seja, disponibilidade de minérios, água e potencial para geração de energia limpa. Mas seria um erro limitar-se a isso, deixando de tentar progredir na cadeia de valor, como fizeram os chineses, a partir das vantagens comparativas e competitivas que já possuíam. Caso isso ocorra estaremos de novo perdendo o bonde da história e nos conformando em ocupar, mais uma vez, uma posição menor e subordinada na nova divisão internacional do trabalho que está sendo engendrada por essa nova tecnologia.

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2024/05/27/qual-e-o-lugar-do-brasil-na-cadeia-de-valor-da-inteligencia-artificial/