A revogação por parte da Receita Federal da isenção para líderes religiosos dada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) não significa que todas as isenções fiscais relacionadas aos ganhos desse grupo foram revogadas. O ato do Fisco, no entanto, acaba com as brechas criadas pela gestão bolsonarista.

A isenção para os valores recebidos por líderes religiosos, como pastores e padres, é definida pela lei 8.212 de 1991 e é válida para igrejas ou entidades que pagam valores:

  • relacionados “exclusivamente à atividade religiosa”;
  • pelo “mister religioso” ou para a subsistência do líder; e
  • que não dependam da quantidade do trabalho executado.

Nessas condições, a isenção se mantém, já que não houve alteração na lei. O que caiu agora foi uma interpretação mais ampla feita pela administração de Bolsonaro. O ato do governo anterior não indicava o vínculo exclusivo com a atividade religiosa como um dos critérios para a isenção. Ia além e dispensava de impostos também os valores pagos nos quais havia diferenciação por hierarquia dentro das entidades religiosas.

O ato editado pelo governo foi de 1º de agosto de 2022, nas vésperas das eleições presidenciais. Assinado pelo então o chefe da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes – que está envolvido no caso das joias sauditas na gestão Bolsonaro – o ato que ditava como os fiscais do Fisco deviam interpretar essa parte da lei ia além do texto da própria legislação.

reversão da isenção foi realizada na última quarta-feira (17) pelo atual Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, Robinson Barreirinhas.

Mariana Ferreira, advogada tributarista do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, afirma que ainda que o governo Bolsonaro não tenha dado a isenção, deixou brechas na lei. “Já tinha a isenção prevista em lei, o ato declaratório de 2024 suspende a eficácia do ato anterior. Então, a gente ainda não tem o desfecho do caso”, diz a advogada.

A lei para isenção seguindo os critérios de exclusividade, mister religioso e não dependência de trabalho executado continuam valendo. Nestes termos, líderes religiosos podem ter a isenção – uma lei sempre terá mais força do que atos declaratórios da Receita Federal. No entanto, a isenção ampla, como colocada pelo ato do governo Bolsonaro, fica suspensa.

“O primeiro ato [do governo Bolsonaro] expandiu além do que a lei trazia – o que já seria questionável”, diz Ferreira. “Via de consequência, o novo ato vai retirar a abertura e vai ser exatamente o que está na lei. Até porque em casos de isenção precisa ser a interpretação literal do que está na lei”.

Apesar disso, para Ferreira, o ato de 2024 não deveria ter sido publicado neste momento. A advogada afirma que o melhor era que a Receita Federal esperasse uma decisão da análise do caso pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que tem uma representação sobre o tema desde 2022.

O TCU verifica a “legalidade e legitimidade” da isenção. A ação de Julio Cesar e do governo Bolsonaro é investigada pelo tribunal por “possível desvio de finalidade e ausência de motivação”. Ainda não há uma decisão final sobre o tema.

“Se o processo ainda está em andamento, eu não tenho como expedir um ato suspendendo a eficácia. Por que qual é a segurança que eu tenho neste caso?”, questiona Ferreira. A advogada diz que ainda que a lei continue em vigor, há insegurança jurídica porque a Receita pode ter uma interpretação mais aberta e de caso a caso sobre a lei, sem um ato que dita qual é a interpretação do órgão sobre esse trecho da legislação.

A possibilidade de diferentes interpretações é criticada pela Frente Parlamentar Evangélica, que tenta negociar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para manter benefícios para líderes religiosos, como mostrou o Congresso em Foco em primeira mão.

AUTORIA

Gabriella Soares

GABRIELLA SOARES Jornalista formada formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.

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