Entenda como as propostas de Javier Milei e Sergio Massa podem afetar o país

Por Nathália Larghi, Valor Investe — São Paulo

Neste domingo, 22, os argentinos levaram a decisão da eleição presidencial para o segundo turno. Na disputa, estão o candidato peronista Sergio Massa (Unión por la Patria) e o ultraliberal direitista Javier Milei (Libertad Avanza). O resultado foi recebido de forma negativa na bolsa local, que registrou forte queda. Mas apesar de a Argentina ser um importante parceiro comercial do Brasil, as consequências da eleição por aqui são limitadas, apontam analistas. Isso não significa, no entanto, que o tema não mereça atenção.

Primeiro, é preciso entender o perfil dos dois candidatos e suas principais propostas de campanha. De um lado, Massa se posiciona como o candidato da situação, e tem entre suas propostas a manutenção de medidas de apoio social. Por outro lado, ele está disposto a apostar em medidas "impopulares" para tentar recuperar a economia local, como aumentar as exportações e trazer mais dólares para o país. Na outra ponta, Milei se posiciona de maneira mais ríspida e defende propostas drásticas, como a dolarização da economia e o fim do banco central do país.

Segundo especialistas, ambos têm problemas grandes pela frente, a começar pela dificuldade de aprovação de propostas no congresso. Além disso, uma retomada da economia argentina não é uma tarefa simples, tendo em vista que para isso acontecer o país pode precisar lidar com uma recessão mais intensa.

Massa, ministro da Economia, quer mudar balança comercial para fortalecer o peso

Massa é o candidato do atual governo. Hoje, ele ocupa o cargo de ministro da Economia e, para esta eleição, teve o apoio de Alberto Fernández, atual presidente. Embora ele se posicione atualmente como um político de centro-esquerda, sua vida política começou com a militância no partido liberal de centro-direita Unión del Centro Democrático.

Dentre suas propostas principais estão planos de viés social, como a distribuição de remédios de forma gratuita, inclusão de direitos nas leis trabalhistas e até alterações no ensino, além da criação de uma política para mitigar emissões de gases poluentes que contribuem para o efeito estufa.

No âmbito econômico, o desafio de Massa é estabilizar a economia, mas a tarefa não é fácil. O país atingiu uma inflação de 138% ao ano. Durante sua campanha, ele já afirmou que quer cortar gastos governamentais, simplificar a arrecadação de impostos com uma reforma tributária e fortalecer as exportações do país. Com isso, mais dólares entrariam na Argentina e ajudariam a estabilizar o peso, a moeda local.

Apesar de ser candidato do peronismo e ligado à esquerda, Massa é considerado mais "heterogêneo", segundo o economista André Perfeito. Isso significa, portanto, que o ministro pode tentar manter algumas questões sociais inalteradas, mas poderá levar a cabo medidas "impopulares", especialmente do ponto de vista econômico.

"A Argentina tem uma área de proteção social grande que o Massa deve manter. Ao mesmo tempo, ele tem falado bastante de mexer no comércio exterior", afirma o especialista. Ainda assim, Perfeito considera que as medidas propostas pelo candidato peronista seriam "mais do mesmo", com poucas chances de mudar drasticamente a já conturbada situação argentina.

"Ele quer gerar saldo comercial. Para fazer isso, ou aumenta-se a exportação ou diminui-se a importação: não tem segredo. E o mundo está em um momento de desaceleração. Então, a demanda global tende a ficar meio parada, e não vejo um aumento por demanda de produtos argentinos. A variável de ajuste, nesse caso, seria um aumento da recessão interna para reduzir as importações. Outra maneira é fazer isso de maneira mais macroeconômica, desacelerando a economia ou criando impedimentos para importação de várias coisas", afirma Perfeito.

Milei, deputado ultraliberal, quer reduzir o tamanho do Estado e acabar com o Banco Central

Javier Milei é economista e atualmente ocupa o cargo de deputado federal. Em sua campanha, tem defendido mudanças mais radicais, como o fim do banco central argentino e a redução do número de ministérios de 18 para oito (pastas como as da Cultura, Ciência e Meio Ambiente estariam entre as suprimidas). Além disso, o candidato pretende "dolarizar" a economia argentina, dando adeus ao peso. Milei já deu declarações contra o Mercosul, classificado por ele como um "fracasso comercial". Ele se mostra favorável à saída da Argentina do bloco.

Apesar das promessas, Perfeito acredita que será difícil o candidato colocar todas as suas intenções em prática. Ainda que afirme que as chances de Milei sagrar-se vitorioso são maiores, o economista não acredita que ele conseguirá aprovar medidas, como a saída da Argentina do Mercosul, tão facilmente. O problema, no entanto, está no que pode vir após essas dificuldades.

"Milei tem um problema difícil, que é não ter apoio amplo no Congresso, e isso pode limitar muito o que ele pretende fazer. E isso me deixa preocupado pelo seguinte motivo: quando ele ver que não consegue fazer as coisas, ele pode ficar mais radicalizado, e o clima político fica pior", afirma o especialista.

E o Brasil com isso?

Para Perfeito, independentemente de quem ganhe, o mais importante para o Brasil é que a Argentina esteja forte, tendo em vista que o país é um importante parceiro comercial. Ele afirma, no entanto, que é improvável que o resultado argentino afete fortemente o país.

"O Brasil está tranquilo. Pensando em termos estratégicos, não é do interesse dos brasileiros que a Argentina vá mal. A gente precisa ter parceiros econômicos na região, tem o projeto do Mercosul, enfim... É uma zona de influência do Brasil", afirma. "E se o Milei ganhar, não é o fim do mundo pra gente. Porque se acabar com o Mercosul, a Argentina vai exportar pra quem? Vai importar e exportar mais caro? Para eles será ruim, e o Brasil tem outros parceiros comerciais", diz.

Gabriel Bassotto, analista-chefe de ações do Simpla Club, também acredita que muitas das propostas de Milei, caso eleito, devem continuar "somente na narrativa". O especialista também destaca a importância do Brasil como um parceiro comercial da Argentina e afirma que o vizinho tem mais a perder com um rompimento do que o contrário.

Caso Massa seja eleito, Bassotto acredita que a economia argentina terá "mais do mesmo" e não deve se recuperar tão fortemente. "Entendemos que as propostas que ele tem não são fortes a ponto de recuperar o país. Ele vai aumentar juros, tentar conter a inflação, mas não tem uma profundidade grande de cortes de gastos públicos, de redução de déficit, como eles precisariam", afirma.

Em ambos os casos, o analista acredita que os efeitos no Brasil e principalmente na bolsa local serão limitados. Ele afirma que, atualmente, o cenário americano tem sido mais impactante para os ativos locais do que o cenário dos vizinhos.

"Os impactos de uma eleição lá, seja de quem for, serão mais secundários. A Argentina, inclusive, vem perdendo representatividade no comércio externo. Por aqui, a economia americana, o caminho dos juros e da inflação tanto aqui como lá tem tido mais impacto nos nossos ativos", afirma.

Recentemente, com a perspectiva de que os juros fiquem mais altos por mais tempo nos Estados Unidos, há uma corrida de investidores rumo à segurança dos títulos públicos norte-americanos, o que tem impactado as bolsas, especialmente de países mais arriscados, como é o caso do Brasil.

Seja como for, a conclusão dos especialistas é que um eventual rompimento argentino com o país pode prejudicá-los mais do que o contrário. Para o Brasil, porém, é importante que o vizinho se recupere.

VALOR INVESTE

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