OPINIÃO

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A Justiça e sua administração estão em constante mudança e adaptação, visando entregar julgamentos que atendam cada vez mais a demanda social por efetividade e celeridade. Isso se torna especialmente relevante com o advento e desenvolvimento de novas tecnologias, trazendo o aperfeiçoamento e discussão sobre as decisões e seu método. É nesse contexto que a justiça do trabalho vem analisando a possibilidade da utilização da geolocalização como meio de prova.

O TRT da 15º Região  [1] permitiu a realização de prova digital de geolocalização requerida pela parte reclamante, a fim de subsidiar o pleito de reconhecimento de vínculo empregatício.

Semelhantemente, o TRT da 1ª Região [2] também permitiu a sua produção, com a diferença que, nessa oportunidade, o pedido foi formulado pela parte reclamada. Inclusive, o julgado invocou o artigo 7º, inciso VI, segundo o qual o tratamento de dados pessoais poderia ser realizado para o exercício regular de direitos em processo judicial.

Essas recentes decisões acendem o debate sobre a admissibilidade desse tipo de prova, assim como dos limites para sua utilização, merecendo algumas breves considerações.

A medida em que celulares, tablets, entre outros, tornam-se cada vez mais equipamentos que trazemos conosco, a utilização de dados de geolocalização se tornou comum no dia a dia. A sua utilização nos possibilita a utilização de aplicativos de aplicativos de transporte, autenticação e acompanhamento de operações financeiras, monitoramento de trânsito e congestionamento, entre outros. Principalmente com o advento das legislações de proteção de dados, a sua utilização vem acompanhada de uma notificação sobre a sua utilização, em que — em regra — é solicitado o expresso consentimento dos titulares.

Na administração da justiça, apesar de razoavelmente recente, não se trata de um meio probatório novo, sendo utilizado especialmente nas investigações criminais, desde que respeitados certos requisitos. Para tanto, em regra, invoca-se os termos do artigo 5º, inciso XII, da Constituição, sendo o qual é "(...) inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Surge então o debate sobre a possibilidade de sua utilização pelos outros ramos da justiça, inclusive a laboral, ao que se entende que a resposta é positiva, desde que siga determinados requisitos.

Inicialmente, as requisições devem ser específicas e se limitar ao mínimo necessário para os fins de instrução probatória. Os potenciais violações à privacidade nesse tipo de instrução probatória justificam esse tipo de tratamento, o qual é aplicável inclusive nas ações penais. São também um meio de harmonizar as decisões com o espírito da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), especialmente aos princípios da necessidade, adequação e finalidade (Artigo 6º, incisos I, II e III).

Além disso, esse tipo de instrução probatória deve ser autorizado apenas a pedido da parte reclamante e titular dos dados, assim como ser apenas utilizada em último caso.

Conforme dispõe a própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cabem aos empregadores o exercício do poder dirigente para controlar e dirigir a relação de trabalho, assim como em fornecer os meios para tanto. Cabe ao empregado, portanto, implementar os controles que entender pertinente, tais como controles de ponto, câmeras, localizadores em aparelhos corporativos, entre outros. Diante dessa prerrogativa, a ele cumpre comprovar a regularidade e jornada de trabalho, a qual goza de presunção legal de veracidade (iuris tantum).

Por outro lado, reconhecida a sua vulnerabilidade, cabe ao empregado uma reduzida possibilidade para contestar essas informações. Dessa forma, podendo recorrer a utilização de meios alternativos de prova.

Se por um lado o empregador tem uma possibilidade muito mais ampla para a produção de provas, sem a necessidade de interferir na privacidade dos empregados; por outro, ao empregado cabe apenas uma possibilidade reduzida, podendo abrir mão de sua intimidade e ceder os dados de geolocalização.

No mais, as informações de geolocalização são frequentemente atreladas a contas, sistemas e equipamentos pessoais, não podendo ser utilizado pelos empregadores para quaisquer fins sem o seu livre consentimento. Conforme os próprios termos da decisão do TRT da 1ª Região, foi requerido a emissão de ofícios ao Google, Facebook, Twitter e Apple, para que estas empresas enviassem a geolocalização da reclamante.

Patrimônio do empregador e do empregado não se misturam, existindo diferenças de tratamento. A expectativa de privacidade dos empregados não é mitigada em seus equipamentos, aplicativos e sistemas, sendo vedada interferência do empregador nesses. Isso já foi, inclusive, objeto de manifestação pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) [3], afastando inclusive qualquer justificativa ou incidência da LGPD.

Por fim, deve-se reconhecer que, como qualquer meio de prova, existem limitações. As informações de geolocalização prescindem de equipamentos, sistemas e aplicativos, os quais estão sujeitos a falhas ou imprecisões. Os empregados podem não trazer consigo, determinados lugares não permitem o ingresso de pessoas com equipamentos, a função de localização pode não estar ativa, o próprio Google já revelou que a geolocalização não é integralmente precisa, entre outras questões que devem ser igualmente levadas em consideração no momento de valoração da prova.

A justiça está acompanhando as evoluções sociais e tecnológicas, ainda que de forma mais vagarosa, incorporando esses elementos nas suas atividades institucionais. Ainda que existem divergências e entendimentos equivocados, essas questões fomentaram o debate e amadurecimento dos tratamentos e operadores do direito, culminando na incorporação de entendimentos sólidos e contemporâneos sobre as novas tecnologias, inclusive sobre a utilização responsável dos dados de geolocalização na justiça do trabalho.


[1] BRASIL. Tribunal Regional Federal (15. Região). Recurso Ordinário n. 0010553-36.2021.5.15.0129. Rel. Des. Rosemeire Uehara Tanaka. Julgado em 16 de março de 2023.

[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). Recurso Ordinário n. 0100476-34.2021.5.01.0074. Rel. Des. Claudia Maria Samy Pereira da Silva. Julgado em 31 de março de 2023.

[3] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Processo nº TST-RR-4497-69.2010.5.15.0000.



 é advogado especialista em compliance, segurança da informação e proteção de dados.

Revista Consultor Jurídico

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