Julgamento foi interrompido, mas Fachin e Toffoli anteciparam seus votos

Por Daniel Gullino e Mariana Muniz — Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de voltar a autorizar a contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados de forma compulsória. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, mas Edson Fachin e Dias Toffoli decidiram antecipar seus votos. Com isso, o placar está cinco a zero, faltando apenas mais um voto para a maioria ser atingida.

O STF tem 11 ministros, mas atualmente está funcionando com dez por causa da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. Caso a maioria seja atingida, o STF vai, na prática, mudar seu posicionamento sobre o tema. Em 2017, a Corte considerou inconstitucional a cobrança compulsória dessa taxa de trabalhadores não sindicalizados. 

Especialistas em mercado de trabalho consideram essa possível mudança um forte retrocesso. Já entidades ligadas aos sindicatos, como a Força Sindical, elogiaram.

Mesmo com a queda das receitas, segundo estudo da CNI, o número de sindicatos no país aumentou de 16.517 para 17.448, entre 2017 e 2021. Os números sugerem que as entidades têm conseguido se manter, mesmo com a diminuição da arrecadação.

  • Contribuições compulsórias a sindicatos foram extintas na reforma trabalhista de 2017.
  • O Supremo já decidiu em favor do fim das contribuições sindical e confederativa
  • No caso da assistencial, o relator, ministro Gilmar Mendes, pediu desculpas e mudou de ideia.
  • Gilmar decidiu acolher a demanda dos sindicatos para tornar a contribuição assistencial obrigatória mesmo para trabalhadores não sindicalizados. Outros quatro ministros já apoiaram a tese no julgamento, que foi suspenso.

Especialistas em mercado de trabalho apontam três problemas caso a tendência da corte se mantenha: não há prestação de contas sobre como os sindicatos usam os seus recursos; não existe liberdade sindical no país (ou seja, o trabalhador não pode escolher a qual entidade gostaria de se filiar); e a decisão aumenta a insegurança jurídica e pode abrir caminho para a própria volta do imposto sindical. 

A contribuição assistencial é um tipo de taxa utilizada para custear as atividades do sindicato. Ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não tem valor fixo. Hoje, ela é cobrada apenas dos trabalhadores sindicalizados.

Relator mudou de opinião

Ela é diferente da contribuição sindical, mais conhecida como imposto sindical, que é cobrado anualmente e corresponde a um dia de trabalho. Desde a reforma trabalhista de 2017, no entanto, o imposto sindical só pode ser cobrado dos trabalhadores que derem "autorização prévia e expressa". O julgamento atual do STF não afeta esse tipo de contribuição. 

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, havia sido contrário à cobrança no passado. Agora, no entanto, ele se disse convencido pelo voto de Luís Roberto Barroso, que defendeu que a cobrança é possível, desde que haja o chamado "direito de oposição", ou seja, que o trabalhador tenha a opção de decidir se quer pagar ou não.

O julgamento, que ocorria no plenário virtual, estava previsto para terminar na segunda-feira. No entanto, na sexta-feira, Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise). Apesar da interrupção, os ministros podem optar por antecipar seus votos, e foi o que fizeram Fachin e Toffoli. Antes do pedido de vista, Cármen Lúcia também já havia votado de forma favorável.

Fachin afirmou que "a contribuição assistencial é exigível de toda a categoria, independentemente de filiação". Toffoli limitou-se a dizer que acompanha o novo posicionamento de Gilmar. 

Ainda faltam votar quatro ministros: Alexandre de Moraes (que pediu vistas), Nunes Marques, Rosa Weber (presidente da corte) e Luiz Fux. A corte tem 11 cadeiras, mas está com um integrante a menos, já que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não indicou o substituto para o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou.

O ministro André Mendonça, que substituiu Marco Aurélio Mello no ano passado, não votaria. Mello já votou, seguindo o voto de Gilmar, que na época fora contrário à contribuição assistencial obrigatória aos sindicatos. O STF ainda terá de decidir se vai considerar ou não o voto do ex-ministro, uma vez que o relator alterou o seu posicionamento.

Em tese, o voto de Mello continuaria valendo no plenário virtual. Entretanto, o plenário pode entender que, como o relator mudou seu voto, a posição de Marco Aurélio fica prejudicada. Neste caso, Mendonça seria chamado a votar. Isso só será definido no momento da proclamação do resultado. 

Contribuição com 'direito de oposição'

Apontada como "reviravolta" e "retrocesso" por especialistas, a mudança no voto de Gilmar Mendes é fruto da percepção do ministro a respeito de um esvaziamento das atribuições dos sindicatos ao longo dos últimos três anos. Ao menos este é o relato feito pelo ministro a pessoas próximas, apontaram fontes ao GLOBO.

Depois de votar contra a cobrança em 2017, Gilmar agora se disse convencido pelos argumentos apresentados pelo ministro Luís Roberto Barroso, que adotou um meio termo: a cobrança é possível, desde que haja o chamado “direito de oposição” — ou seja, que o trabalhador tenha a opção de decidir se quer pagar ou não. 

Interlocutores do Supremo afirmam que o ministro, já em junho de 2022, quando o julgamento foi reiniciado, estava incomodado em manter o mesmo entendimento de 2017 para o cenário atual, em que não mais subsiste o imposto sindical.

Ainda segundo o GLOBO apurou, impressionou a Gilmar a intensificação de relatos de parlamentares que se engajaram na reforma trabalhista de Temer e que integram o espectro do centro-direita do Congresso, no sentido de que a falta de recursos estaria levando a um estrangulamento dos sindicatos, algo que segundo tais congressistas não era o desejado.

Ao perceber que o voto de Barroso trouxe uma solução para o que ele próprio vinha pensando sobre o tema, Gilmar ficou confortável para modificar seu posicionamento. 

No início da tarde de segunda-feira, a assessoria de imprensa do STF soltou uma nota para esclarecer alguns pontos do voto do ministro. O texto diz que a contribuição assistencial, caso o Plenário do STF acompanhe a posição de Barroso e Gilmar, somente poderá ser cobrada dos empregados não sindicalizados se pactuada em acordo ou convenção coletiva, e caso esses empregados deixem de exercer o seu direito à oposição.

"O entendimento pela constitucionalidade das chamadas contribuições assistenciais, respeitado o direito de oposição, faculta a trabalhadores e sindicatos instrumento capaz de recompor a autonomia financeira do sistema sindical, concretizando o direito à representação sindical sem, ao mesmo tempo, ferir a liberdade sindical de associação", diz a nota. 

Na Corte, a expectativa é que quando o caso for pautado novamente, após o pedido de vista de Moraes, ocorra um amplo debate justamente sobre como será exercido esse direito à oposição. Há propostas diversas sobre a mesa: desde permitir que os empregados se manifestem junto à própria empresa empregadora até a criação de um canal digital para isso.

A contribuição assistencial é um tipo de taxa utilizada para custear as atividades do sindicato. Diferentemente do imposto sindical, ela é estabelecida em assembleia de cada categoria. Não tem valor fixo. Sua cobrança também não é constante, porque depende de o sindicato criar algum ganho para o empregado da categoria. 

O GLOBO

https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/04/stf-esta-a-um-voto-de-retomar-a-contribuicao-assistencial-de-trabalhadores-nao-sindicalizados.ghtml