REFLEXÕES TRABALHISTAS

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Um dos princípios que norteiam a negociação coletiva é a autonomia privada coletiva, que é o efeito da negociação entre os sujeitos do capital e trabalho, concernente ao reconhecimento, por parte do Estado, da prevalência da norma coletiva, fruto da negociação coletiva, sobre as normas estatais.

A autonomia privada coletiva parte do fato de que as normas resultantes da negociação são mais democráticas e têm mais condições de atender especificamente os reclames de seus destinatários, uma vez que elaboradas por eles próprios.

O Brasil, em razão dos problemas do movimento sindical, diz-se, não está preparado para a total prevalência das normas negociadas sobre as normas estatais. Os sindicatos não são fortes e amadurecidos o suficiente para esse encargo, faltando representatividade autêntica na maioria deles.

Nesse campo, a principal função do Estado é atuar para fazer prevalecer as normas de ordem pública, de indisponibilidade absoluta, que não podem ser objeto de negociação coletiva, salvo para melhorá-las.

A Lei nº 13.467/2017 teve como um dos seus principais pilares a prevalência da negociação coletiva sobre a lei, apresentando um rol das possibilidades, quanto do que não poderá ser negociado pelas partes, observados os parâmetros indicados nos artigos 611-A e 611-B da CLT.

Assim, se ocorrer violação ao núcleo dos direitos mínimos do trabalhador, o Estado, especialmente o Poder Judiciário, poderá intervir a fim de resguardar a legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

A Lei nº 13.467/17 reformulou substancialmente a abrangência e validade das negociações individuais e coletivas que, nos termos da atual legislação, terão prevalência sobre a lei, salvo nos casos expressos descritos na própria lei, porque o objetivo da negociação coletiva é o de adequar as relações trabalhistas à realidade enfrentada pelos interessados, que se modifica constantemente. Assim, é possível a criação de benefícios não previstos em lei e até mesmo a supressão desses mesmos benefícios ou sua modificação por meio de uma negociação coletiva.

Mas, caso seja verificada a violação de liberdades individuais e de direitos indisponíveis, o artigo 83, inciso IV, da LC nº 75/93 permite que o Ministério Público do Trabalho proponha ação anulatória de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores.

O § 1º do artigo 611-A da CLT, trazido pela Reforma Trabalhista de 2017, impõe limitação ao controle jurisdicional das negociações coletivas, dizendo que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

§ 1º - No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta Consolidação.

O artigo 8º, § 3° da CLT, por sua vez, estabelece que no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no artigo 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Nota-se que a partir das mencionadas alterações legais, a negociação coletiva se aproxima dos negócios jurídicos do Código Civil, os quais são considerados meio de realização de vontades dos particulares, desde que cumpram os requisitos de validade, existência e eficácia, previstos no referido diploma legal.

Desta forma, o artigo 611-A da CLT apresenta um rol exemplificativo do que pode ser objeto de negociação coletiva e o artigo 611-B impõe como objeto ilícito a negociação coletiva que venha a suprimir ou reduzir os seguintes direitos:

XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos;

XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;

XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;

XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;

XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;

XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;

XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;

XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.



 é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-fev-17/reflexoes-trabalhistas-autonomia-privada-coletiva-partes-negociacao-coletiva