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Neste 1º de outubro, Dia do Idoso, reportagem especial aborda de que forma organizações podem enfrentar o preconceito com a idade, que afeta diferentes gerações - e ganhar com isso

 Há quem diga que o ambiente de trabalho é um microcosmo da sociedade e suas dinâmicas. Não é de se estranhar, portanto, que espaços organizacionais também reproduzam estereótipos e preconceitos presentes na contemporaneidade. À medida que a população brasileira envelhece e a pirâmide etária se inverte, o mercado de trabalho enfrenta um novo desafio: o preconceito etário, também conhecido como etarismo ou idadismo. Em pouco mais de dez anos, a porcentagem de pessoas idosas na população brasileira aumentou de 10,8% para 15,8%, segundo o Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH).

Neste Dia Internacional do Idoso (1º de outubro), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) evidencia que essa forma de discriminação não apenas marginaliza trabalhadores mais velhos, mas também ignora as valiosas experiências e habilidades que pessoas maduras podem trazer para as empresas, inclusive no diálogo geracional com outro público que também vem sofrendo com o preconceito etário no mercado de trabalho: a Geração Z.

Qual é a minha Geração?

Ilustração colorida. No topo, a pergunta "qual é a minha geração?". Abaixo, cinco imagens para representar cada uma: Geração Baby Boomer - 1945-1964, um casal grisalho sorridente em que o homem abraça a mulher pela cintura com a outra mão em seu ombro. Geração X - 1965 - 1980, um casal negro dança, com roupas coloridas, num ambiente iluminado. Geração Y ou Millenials - 1981 - 1996 - um casal de óculos escuros passeia num destino turístico. ela usa chapéu de abas largas, saia rodada e leva uma maleta. Ele usa calça e camiseta, um chapéu de abas curtas, carrega uma mala com rodinhas e tem uma câmera fotográfica no pescoço. Geração Z - 1997-2010 - duas meninas, uma ruiva e uma negra, tiram selfies diante de um quadro abstrato. Geração Alpha - 2010 - presente - um menino usa um óculos de realidade ampliada.


Uma sociedade em transformação

Andrea Tenuta, especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) na Maturi, empresa que atua no mercado da longevidade, explica que o etarismo se estrutura em três pilares: estereótipo (como nós pensamos), preconceito (como nós sentimos) e discriminação (como nós agimos). Nas relações de trabalho, a discriminação etária se manifesta de diversas maneiras, inclusive por vieses inconscientes. Entre os exemplos, Andrea destaca a preferência das organizações por pessoas mais jovens em processos seletivos, o não desenvolvimento de profissionais maduros, a redução de projetos estratégicos para profissionais conforme envelhecem e a desvalorização da experiência das pessoas mais velhas. 

A especialista avalia que o Brasil vive uma revolução demográfica, e é necessário que os diferentes ecossistemas se preparem para a nova realidade populacional. "Estamos envelhecendo em um ritmo acelerado. O que a França demorou 120 anos para envelhecer, nós estamos envelhecendo em 20 anos", afirma. "Hoje, 27% da população brasileira está acima dos 50 anos, e a média que percebemos nas empresas é infinitamente menor que esse número – entre 3% e 5% do quadro de funcionários".

Andrea observa que, atualmente, os Baby Boomers, a Geração X, os Millennials e a Geração Z estão atuando nos mesmos espaços de trabalho, e esse arranjo plural impulsiona a inovação e promove a troca de experiências. “As diferentes gerações refletem realidades distintas, com visões, ambições e experiências muito diversas, e essa conexão é a chave. Ela exige a empatia entre todas as pessoas”, pondera.

O desafio de recalcular trajetórias

Marta Vasconcelos tem 60 anos, é geóloga formada pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em engenharia mineral e ampla atuação na área ambiental e de sustentabilidade, inclusive internacional. Com experiência nos setores público e privado, ela construiu uma carreira consistente e robusta. No mês em que completou 50 anos, porém, recebeu a notícia de que seria desligada da instituição onde trabalhou por mais de 11 anos.

Na ocasião, ela se viu forçada a traçar novos planos. Tentou uma incursão no varejo, abriu uma loja de presentes que não prosperou, mas sempre tentou se manter ativa na área de formação inicial por meio de consultorias pontuais. “As demandas eram muito pequenas”, lembra. “Por um lado, as pessoas me supervalorizam, dizendo ‘eu não vou passar trabalhos pequenos para ela, porque ela é uma pessoa especializada’. Tive que ir desmontando um pouco essa ideia dos meus colegas para eles me passarem trabalhos mais simples, porque eu precisava sobreviver, não é mesmo?”

A geóloga conta que nunca deixou de se candidatar a vagas. “Tive questões emocionais e de saúde mental importantes por causa dessa recusa do mercado de trabalho em absorver pessoas 50+”. Sua capacidade financeira também foi consideravelmente abalada. “Já se passaram dez anos desta demissão e eu ainda não consegui ficar estável. Vivo na corda bamba, tem ano em que tenho consultoria, tem ano que não tem. Já tive que adaptar o patrimônio, vender uma casa mais cara para comprar uma mais barata e fazer um dinheiro sobrar. Já não tenho plano de saúde e dependo do SUS (Sistema Único de Saúde) e consultas particulares. É muito angustiante passar por tudo isso por tanto tempo”, conclui.

A discriminação que vivia na prática fez ainda mais sentido quando se informou sobre o termo etarismo. “Cheguei nas etapas finais de processos de contratação em grandes empresas e percebi que as pessoas que foram contratadas eram de 10 a 15 anos mais novas que eu. Então, comecei a perceber que já não dava para eu me desgastar”. Em uma das seleções, foi excluída logo após descobrirem sua idade. “Falaram: ‘ainda somos muito antiquados aqui, não conseguimos mudar isso, existe uma política de desligamento das pessoas com 62 anos’. Eu estava com quase 60”, lembra.

“Eles jogam fora para o mercado cérebros muito formados e relevantes, e o mercado não está aproveitando. Eu com 60 anos, depois de dez anos, me sinto muito mais capaz hoje de lidar com a área que eu lidava antes. Me adaptei, expandi meu conhecimento”, afirma Marta. 

Ela também avalia que outro viés desempenhou papel crucial na sua trajetória: o gênero. “Para as mulheres de mais idade é muito mais complicado do que para os homens de mais idade, isso é nítido.Vejo que meus colegas se recolocam com mais tranquilidade. Sofrem também, mas existe uma aceitação melhor”.

História em movimento na Justiça do Trabalho

O ministro do TST Cláudio Brandão lembra que a decisão mais antiga que reconheceu a dispensa em razão da discriminação por idade foi tomada em setembro de 2003, no Tribunal Superior do Trabalho, pelo juiz convocado André Luís Moraes de Oliveira. Na época, ainda não se utilizava o termo “etarismo”, mas o reconhecimento da prática em si e o entendimento que passou a conduzir novos julgamentos sobre o tema contribuíram para a garantia do direito fundamental à igualdade no emprego. Nesses casos, a pessoa que sofre a discriminação pode optar entre ser reintegrada no cargo ou receber uma indenização.

“Há empresas em que essa prática é muito comum. Isto decorre da possibilidade de que o empregado dispensado, em razão da idade, seja substituído por outro, geralmente com salários menores”, observa o magistrado. 

Para Cláudio Brandão, dispensas como essa ignoram o valioso “patrimônio imaterial” que pessoas mais velhas carregam. “É o conhecimento acumulado decorrente da própria vida. Muitas vezes, não é o conhecimento formal apenas, mas o conhecimento da prática cotidiana, do universo da própria empresa, de experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória de vida”, explica.

Solidariedade intergeracional é o caminho

O professor da Universidade de Brasília (UnB) Otávio Nóbrega, conselheiro titular do Conselho dos Direitos do Idoso do Distrito Federal, alerta que é comum as pessoas associarem o etarismo à discriminação contra idosos apenas. Mas ele ressalta que o preconceito de idade também tem afetado significativamente os novos jovens. “Profissionais de RH afirmam que candidatos da Geração Z não são empregáveis, e fazem uma série de críticas. Dizem que não se vestem bem, que faltam com determinadas etiquetas sociais e determinadas formas de polidez no trato com as pessoas, não se comunicam bem e, depois que são contratados, tendem a ser mais arrogantes e menos comprometidos com as empresas”, enumera. 

Ele explica que parte do estereótipo tem raiz na noção de que os integrantes da Geração Z não sentem que devem ou precisam, necessariamente, ser fiéis a uma determinada empresa e, por isso, trocam frequentemente de emprego. “Sabemos que a maioria esmagadora da força de trabalho nos próximos anos vai ser da Geração Z e dos Millennials. Não adianta o mercado de trabalho ficar evitando a contratação da Geração Z, não é sustentável”, avalia.

Otávio aconselha que as empresas invistam em programas de mentoria, treinamento e oportunidades reais de crescimento e aprendizagem para o desenvolvimento de profissionais da Geração Z. “Os jovens de hoje compreendem a realidade da rapidez, da transformação do mundo, e essa transformação pode ser usada de forma benéfica para as empresas”, avalia. 

O professor alerta, porém, que os jovens também precisam fazer sua parte. “Talvez precisem compreender e aceitar que serem alçados a cargos de chefia, coisa que normalmente evitam, os ajudará a impulsionar suas atuações. Quanto mais cedo as empresas entenderem isso e qualificarem essa massa de trabalho, melhor para todos. E talvez aí esteja uma grande importância das gerações mais velhas, porque a Geração X e os Baby Boomers é que devem treinar os mais jovens”, sugere.

(Silvia Mendonça/CF)

TST

https://tst.jus.br/-/desafiando-o-etarismo-como-a-colabora%C3%A7%C3%A3o-entre-gera%C3%A7%C3%B5es-pode-transformar-o-mercado-de-trabalho


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