O mundo caminha para uma nova onda de integração, e o desafio do Brasil será, de novo, não perder a onda


Rio de Janeiro durante quarentena, na região do Saara (Foto: Buda Mendes/Getty Images)

Exatos 43 dias se passaram entre a visita do então ministro da defesa Jaques Wagner ao ITA, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, para anunciar seu apoio ao projeto de expansão do instituto, e o anúncio do maior corte de verbas da história da educação no país até então, em junho de 2015.

Passados 5 anos, a expansão, que previa dobrar o número de alunos e ampliar centros de pesquisa, com um investimento de R$ 500 milhões, naufragou. Durante os anos que se seguiram, o Instituto foi alvo constante de cortes de verbas, como todos os itens da rubrica de investimentos no orçamento federal.

Trata-se de um caso envolvendo uma “jóia da coroa nacional”, como definiu Wagner na ocasião, capaz de produzir ciência e pesquisa para desenvolver equipamentos como o que detecta o novo Coronavírus no ar, relegado à própria sorte em um país onde a despeito do que pregam governadores no momento, nunca foi propriamente “pró-ciência”.

Nossa relação com um instituto de tamanha importância, responsável direto por desenvolver empresas como a Embraer (que sozinha gera em impostos 70 vezes o orçamento do próprio ITA), é hoje um símbolo da maneira como o Brasil vai encarar e disputar espaço nos próximos anos em um mundo de mudanças aceleradas pós-coronavírus.

Nosso descaso com a ciência tem inúmeras faces, como o satélite de R$ 2,78 bilhões lançado em 2017 e que hoje entrega conexão de internet em 0,1% dos pontos previstos, ou o fato de investirmos menos em pesquisa e desenvolvimento do que a Amazon sozinha. Este porém é apenas parte do problema.

Há neste exato momento uma série de discussões, sociais e econômicas, que devem levar a grandes mudanças. Dentre elas, provavelmente a mais relevante será uma mudança radical na dinâmica do mercado de trabalho no mundo.

Por anos, a dicotomia entre a facilidade de transferir capital e a dificuldade de transferir trabalho entre os países (repletos de barreiras a imigração), levou a uma integração entre os países completamente falha, feita “pela metade”.

Ainda assim, a pobreza no mundo pós-globalização caiu vertiginosamente, em especial nos países onde o capital se encontrou com o trabalho. No leste asiático, que recebeu inúmeros investimentos para se tornar o pólo industrial do planeta, a pobreza caiu de 62% para 4% entre 1990 e 2015.

Mas afinal, o que isso tem a ver com a situação atual, e ainda, o que o Brasil tem a ver com isso?

Em meio a uma paralisação forçada da economia, não foram poucas as empresas que buscaram se adaptar para continuar operando. Do Facebook ao restaurante da esquina, a quarentena promoveu e acelerou mudanças.

Como declarou o próprio Zuckerberg, cuja empresa já estima estender o home office até dezembro deste ano, a expectativa é de que em no máximo 10 anos, cerca de metade dos 48 mil funcionários do Facebook estejam trabalhando de casa.

Essa nem de longe é uma mudança simples, e tende a se tornar cada vez mais cotidiana. A consequência é uma nova dinâmica, local e global.

Pense por exemplo em horas perdidas em trânsito. Apenas os americanos desperdiçam US$ 166 bilhões por ano em produtividade quando estão parados no trânsito. Um valor maior do que o PIB de 134 países. ou ainda, toda a riqueza produzida pela cidade de São Paulo (responsável por 10% do PIB brasileiro).

Mesmo no Brasil, onde a tendência ganha adeptos como a fintech Nubank ou a XP, as mudanças podem ser também bastante benéficas. Por aqui desperdiçamos R$ 267 bilhões com o trânsito, valor maior que a riqueza produzida por 21 dos 27 estados do país.

E essa é apenas a ponta do Iceberg. Com sua sede no Vale do Silício, o Facebook ajuda a ampliar a especulação imobiliária na região, o que leva o aluguel no local a ser 20% maior do que em locais como Londres e 48% mais caro do que morar em Paris. Morar sozinho em uma casa com 40 metros quadrados na região pode lhe custar a bagatela de US$ 26,4 mil por ano (considere que a renda familiar média de um americano é de US$ 33,706 mil).

A pergunta que se segue portanto é a mais simples possível: por quê arcar com um custo tão alto apenas para estar neste local?

Olhando para o passado, a razão de termos nos assentado em cidades é também bastante óbvia: maior quantidade de pessoas leva a maior especialização, e consequentemente maior oferta de serviços e menor custo (construir uma estrutura de saneamento em uma região mais densa custa menos do que estender a rede por uma região pouco povoada, por exemplo).

Nos dias de hoje, com facilidade de acesso a bens e serviços, e uma promessa de entrega da Amazon e outras empresas a 1h de distância de qualquer local em que você viva, as razões para tamanha aglomeração diminuem por parte de pessoas, e mesmo empresas. Imagine que você tenha uma startup. O quanto de custos para estar no Vale do Silício, ou na Faria Lima, você não poderia reinvestir no seu negócio?

Em princípio, todas essas mudanças devem levar uma boa parte das pessoas a viver em locais onde o acesso a moradias, principalmente, tem um custo menor, e a qualidade de vida é maior.

A longo prazo, a pergunta que se desenha é ainda mais ambiciosa: se as empresas estão cada vez mais operando de maneira remota, por qual motivo elas deveriam concentrar seus funcionários dentro de um único Estado ou país?

E é justamente aí que o Brasil entra no jogo da nova dinâmica de trabalho, assim como o resto do mundo.

Como já mencionei em um artigo anterior, disputaremos com outros países uma realocação da produção, com fábricas migrando de países como a China. Neste outro cenário, onde o que se torna mais integrado é justamente o trabalho, nossas armas podem ser resumidas em duas: educação e legislação trabalhista.

Neste segundo caso, como você também já deve imaginar, nossa legislação, sempre muito protetora, terá de encarar mudanças em um cenário onde o trabalhador passa a se tornar cada vez mais global.

Este caso porém, é dependente de uma mera mudança de legislação que venha a ocorrer em função desse debate. Muito mais complexo é o problema da educação.

Segundo o British Council, 95% dos brasileiros não sabem se comunicar em inglês, e 99% deles não possui fluência. Meros 2 milhões de brasileiros podem ser considerados fluentes, ou 8 vezes menos do que aqueles considerados analfabetos no país.

A barreira do idioma, que também nos afasta dos vizinhos sul-americanos falantes do espanhol, é apenas um problema, e nem de longe o maior deles. Nossa maior dificuldade neste cenário, é justificar de um ponto de vista global, a produtividade que oferecemos neste mercado, de modo a valorizar nossa mão de obra.

Isso tudo ao mesmo tempo que temos de enfrentar nossos próprios problemas, como os gerados pelo envelhecimento da população.

Considere por exemplo que, nos próximos 30 anos, a produtividade de um trabalhador brasileiro cresça no mesmo ritmo que cresceu entre 1987 e 2017, cerca de 0,4% ao ano. Isso significa que dado o declínio populacional pelo qual passaremos já a partir de 2031, chegaremos em 2048 com a mesma renda per capita de 2018.

Parece complicado? Bem, deixa eu resumir melhor aqui. Produtividade é um nome bonito pra “total de riqueza produzida dividido por total de trabalhadores”. Isso faz com que a gente desconsidere um aumento do número de trabalhadores (o que gera aumento da riqueza total), para medir o quão mais estamos produzindo de fato, e não apenas o quanto estamos aumentando a quantidade de pessoas trabalhando.

Se considerarmos que neste ano de 2031, a quantidade de trabalhadores começará a diminuir (já que haverá menos pessoas entre 15 e 59 anos), significa dizer que haverá menos trabalhadores no total da população, e consequentemente uma queda na renda per capita.

Isso provocará inúmeras mudanças, como a do perfil de gastos públicos (mais idosos demandará do governo maiores gastos com saúde e previdência).

Na outra ponta, aquela de “oportunidades”, significa dizer que haverá mais verba para educação e menos alunos para atender. Como Estados como o Rio Grande do Sul, o de maior média de idade do país, mostram, o número de alunos tende a cair dramaticamente. No início do século as escolas gaúchas contavam com 1,56 milhão de alunos, contra 930 mil em 2015. Na prática, se resolvermos questões previdenciárias que consomem boa parte do orçamento, significa mais verbas por aluno.

De um ponto de vista macro, pós-reforma da Previdência, o país poderá focar em reestruturar seus gastos a longo prazo, focando nessa melhoria de competitividade citada no começo.

Se desejar fazer isso e encontrar um mínimo de consenso político, poderíamos começar reorganizando nosso parque tecnológico, ampliando verbas de pesquisa, e cobrando um aperfeiçoamento de nossas universidades, para que se tornem também mais globais.

Nas últimas décadas direcionamos nossos esforços para aumentar a produção de artigos, deixando em segundo plano a relevância destes mesmos artigos. Isso faz com que apesar de nossos cientistas produzirem muito, o impacto destas pesquisas é relativamente baixo.

Isso importa porque na prática a ciência funciona em torno da colaboração. Se nossos cientistas estão voltados para produzir e compartilhar seus artigos apenas dentro do país, como ainda ocorre, significa que iremos absorver menos conhecimento vindo do exterior, e diminuirmos nossa interação global.

Quanto mais fechados continuarmos, seja em produção acadêmica quanto às barreiras comerciais, mais difícil será burlarmos este resultado ruim em produtividade, afinal, teremos técnicas de produção menos avançadas.

Se há uma lição que podemos tirar dos últimos 100 anos aqui no Brasil, ela poderia ser resumida no aprendizado de que nos fecharmos pro mundo e insistirmos em aumentar o capital físico, não é uma maneira inteligente, ou útil, de se desenvolver.

O desenvolvimento do Brasil nas próximas décadas virá inevitavelmente de sua capacidade de agregar conhecimento e melhor preparar nossos profissionais.

Do contrário teremos sorte se conseguirmos virar ao menos o chão de fábrica do mundo.

Infomoney