O apresentador Luciano Huck afirmou que, com o imposto sobre grandes fortunas, o dinheiro “escaparia do país”. Dados mostram outra realidade.
Esta semana, o apresentador Luciano Huck, cotado para candidato à presidência da República em 2022, afirmou em um painel sobre desigualdade na versão virtual da Brazil Conference at Harvard & MIT, que a instituição do imposto sobre grandes fortunas – previsto na Constituição Federal de 1988 – levaria à criação de “engenharias fiscais” que fariam o dinheiro “escapar do país”.
“Eu não sou contra, de jeito nenhum, mas quando você enxerga a colcha de retalhos que é a malha tributária brasileira, você vê a bagunça que ela é hoje. A gente tem que rever isso, a reforma [tributária] é importante”, afirmou Huck, dono ele próprio de uma fortuna. “Não acho que tem que tributar a fortuna, mas a herança é importante. A gente tem que discutir a transferência”, acrescentou.
No Brasil, a alíquota máxima do imposto sobre herança, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), de competência estadual, é de 8%. Já em outros países, como a Europa Ocidental, os Estados Unidos e o Japão, essa taxa é bem mais alta, de 25% a 40%.
Esse é um dos motivos pelo qual o argumento de Luciano Huck, de que o imposto sobre grandes fortunas levaria a uma fuga de capitais, não faz sentido: milionários e bilionários não encontrariam lá fora uma realidade tão amigável que justificasse retirar bens e dinheiro do Brasil. Em países desenvolvidos, a tributação sobre a renda e o patrimônio supera a do sistema brasileiro.
De acordo com dados divulgados pela ONG Oxfam Brasil, a tributação sobre renda e patrimônio como proporção da carga tributária no Brasil é de 22%, contra 40% em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já a tributação sobre o consumo chega a quase 50%, enquanto, na OCDE, fica em 33%, na média. Essa tributação indireta tende a pesar mais sobre os mais pobres, pois eles gastam a maior parte da sua renda em consumo.
“Essa argumentação do Huck não se justifica. Quase 50% do imposto no Brasil é sobre o consumo. A gente tem que equilibrar isso para se igualar aos demais países. Se a gente precisa se igualar, como pode ter fuga de capital?”, questiona Grazielle David, assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe.
Outra questão levantada por Grazielle é que levar riqueza para o exterior não é um passe de mágica. Ela destaca que metade da riqueza do Brasil é imóvel e dois terços dessa riqueza não pode migrar. “Estamos falando de terras, apartamentos, empresas nacionais, aplicações, ações em empresas, títulos públicos”, enumera.
Ela lembra que, em última instância, cabe ao próprio Estado buscar soluções para o problema colocado por Luciano Huck – de que os mais ricos fariam “engenharias fiscais” para escapar à tributação.
“Nesse sistema globalizado em que vivemos, o Estado tem como regular a saída de capital e melhorar a fiscalização”, afirma. Para ela, a afirmação sobre risco de “fuga de capitais” não cabe mais no cenário atual. “São mais de 30 anos com a mesma argumentação [no Brasil], ignorando que o mundo mudou”, diz.
Segundo Grazielle David, com a pandemia do novo coronavírus, a discussão sobre taxar grandes fortunas ganhou força em países que ainda não têm o imposto. “Como os países estão aumentando os gastos, é uma alternativa de financiamento”. No Brasil, como já há previsão constitucional, bastaria uma lei complementar para regulamentar o imposto sobre fortunas.
Vermelho