Liziane Blaese Cardoso Machado

As novas formas de contratação revelam os desafios de equilibrar autonomia, livre iniciativa e proteção trabalhista diante das transformações do mercado.

Ultimamente, muito se tem falado sobre terceirização, pejotização e uberização, muitas vezes tratando esses termos como sinônimos. Mas será que, de fato, esses termos têm o mesmo significado?

Para responder a essa pergunta, é necessário relembrar a história da terceirização no Brasil.

A terceirização teve início com a lei 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispunha sobre o trabalho temporário. Essa modalidade de contratação refere-se à contratação de empresas especializadas no fornecimento de mão de obra para um determinado período. Nesses casos, a contratação ocorre para atender a uma demanda transitória, decorrente de fatores previsíveis, com natureza intermitente, periódica ou sazonal, e não pode ser utilizada para substituir trabalhadores em greve.

A utilização dessas empresas de trabalho temporário se dá, geralmente, em situações sazonais, como ocorre, por exemplo, com as indústrias de chocolate no período da Páscoa. Nesses casos, o trabalho temporário não poderá exceder o prazo de 180 dias, consecutivos ou não. Esse prazo pode ser prorrogado por mais 90 dias, desde que se comprove a manutenção das condições que ensejaram a contratação.

Ainda que não houvesse uma regulação específica quanto à terceirização propriamente dita, esse tema já era amplamente debatido na Justiça do Trabalho, o que levou a edição da súmula 331 do TST, em 28/12/1993. Essa súmula tratava da contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta e das obrigações do tomador de serviços em caso de inadimplemento por parte do empregador direto.

Ao longo dos anos, a súmula 331 sofreu diversas alterações, passando a tratar de vínculo direto com o tomador, das atividades específicas de vigilância e limpeza, das obrigações da Administração Pública, das verbas abrangidas pela responsabilidade do tomador e da obrigatoriedade de sua participação desde o início do processo judicial.

A regulamentação legal sobre a modalidade de contratação terceirizada era necessária, pois a legislação era omissa, e essa somente veio com a lei 13.429/17, que passou a tratar da terceirização.

A lei 13.429/17 passou a estabelecer que a prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. No entanto, ainda permanecia a discussão sobre a possibilidade de terceirização da atividade-fim. Essa discussão foi superada com a reforma trabalhista, por meio da lei 13.467/17, que autorizou expressamente a terceirização de quaisquer atividades, inclusive a atividade principal da contratante, desde que a prestadora de serviços possua capacidade econômica compatível com a execução contratada.

Mesmo com a definição legal proporcionada pela lei da terceirização, ainda restava dúvida quanto à constitucionalidade dessa modalidade de contratação. Esse ponto foi enfrentado em 2018, com o julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, nos quais o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, com base nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

O debate, que antes se restringia à terceirização da mão de obra por empresas com empregados próprios, passou a abranger também situações em que pessoas físicas constituíam empresas para prestar serviços diretamente à tomadora.

Nesses casos, não se tratava mais de empresas fornecedoras de mão de obra, mas de profissionais especializados que, ao criarem pessoa jurídica, prestavam serviços de forma direta e autônoma. Esse fenômeno passou a ser denominado pejotização.

A pejotização é vista como a prática, por parte de algumas empresas, de exigir que o trabalhador constitua uma PJ - pessoa jurídica para executar o trabalho como autônomo, com o objetivo de eliminar os encargos e direitos trabalhistas decorrentes do vínculo empregatício formal.

Até pouco tempo atrás, a Justiça do Trabalho invalidava essa prática, reconhecendo o vínculo de emprego mesmo diante de contratos de prestação de serviços entre a PJ e a tomadora. Essa interpretação se baseava no princípio da primazia da realidade sobre a forma, segundo o qual a realidade da prestação de serviços prevalece sobre o que está formalizado em documentos contratuais.

A relação de emprego é definida com base nos requisitos do art. 3º da CLT: trabalho prestado por pessoa física, de forma habitual, subordinada e onerosa. Além disso, a jurisprudência utilizava o art. 9º da CLT, que declara nulos os atos que visem a fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação das normas trabalhistas.

Com o tempo, esse entendimento passou a ser questionado, especialmente diante de uma mudança de paradigma promovida pelo STF, que passou a valorizar a autonomia da vontade das partes e a livre iniciativa, conforme os arts. 1º e 170 da Constituição Federal, relativizando a presunção de subordinação típica da Justiça do Trabalho.

Em abril de 2024, o STF suspendeu todas as ações que tratam sobre o tema pejotização, até o julgamento definitivo do Tema 1.389, e tem enfrentado inúmeras reclamações constitucionais contra decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo de emprego nesses casos.

Recentemente, houve um debate no plenário do STF entre os ministros Flávio Dino e Luiz Roberto Barroso sobre o grande número de reclamações decorrentes dessas decisões, inclusive em situações nas quais não havia sequer contrato escrito entre as partes.

De todo modo, a decisão aguardada no Tema 1.389, com repercussão geral, visa definir se tais contratos são lícitos e quem tem o dever de provar a existência de fraude. Até o momento, porém, não há uma decisão definitiva que valide essa modalidade de contratação.

Esclarecido que terceirização e pejotização são institutos distintos - ainda que o segundo derive, em certa medida, do primeiro -, necessário abordar a uberização, uma nova modalidade de relação de trabalho, surgida com o avanço das tecnologias e plataformas digitais.

Nessa modalidade de prestação de serviços, o trabalhador se cadastra em plataformas digitais que intermeiam a relação entre o prestador de serviços e o cliente final. O trabalhador não possui horário fixo, podendo aceitar ou recusar as demandas oferecidas pela plataforma.

Entretanto, em razão das características específicas de cada plataforma, discute-se se haveria ou não vínculo de emprego nessa relação, bem como a necessidade de garantir direitos mínimos aos trabalhadores, ainda que não sejam considerados empregados. Essa discussão é objeto do Tema 1.291, também pendente de julgamento no STF.

As relações de trabalho não se confundem, tanto que, em decisão recente, o ministro Gilmar Mendes afirmou que as ações relativas à uberização não estão suspensas, diferentemente daquelas que tratam da pejotização, pois envolvem questões jurídicas distintas.

É certo que a modernização das relações de trabalho exige um olhar mais atento às peculiaridades de cada situação e modalidade, observando seus aspectos distintivos, sem confundir os institutos ou inseri-los em um mesmo debate. É essencial respeitar a autonomia da vontade das partes, sem deixar de assegurar direitos fundamentais aos trabalhadores.


Liziane Blaese Cardoso Machado
Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Sócia do Pereira Gionédis Advogados.

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https://www.migalhas.com.br/depeso/441665/terceirizacao-pejotizacao-ou-uberizacao


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