Opinião

O avanço dos transtornos mentais no ambiente de trabalho é uma questão crescente e preocupante. Com o aumento da pressão por produtividade, eficiência e a constante necessidade de “estar presente”, os trabalhadores enfrentam níveis elevados de estresse, ansiedade e esgotamento emocional. Essas condições afetam não apenas o indivíduo, mas também a relação de trabalho, gerando um impacto significativo na saúde física, psicológica e social dos profissionais.

Em sua obra “Sociedade do Cansaço”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han aborda questões que dialogam diretamente com esse fenômeno contemporâneo. Ele descreve a sociedade atual como marcada pela hiperatividade, pela autoexploração e por um cansaço crônico que atinge todos os aspectos da vida, inclusive o trabalho. Este artigo tem por objetivo explorar como os conceitos de Han ajudam a compreender o avanço dos transtornos mentais nas relações de trabalho no Brasil.

Contextualização: transtornos mentais no trabalho

Dados recentes apontam que os transtornos mentais e comportamentais são a terceira principal causa de afastamento no trabalho no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Condições como depressão, ansiedade e burnout têm se tornado cada vez mais comuns, especialmente em áreas onde as metas de produtividade são rígidas e as jornadas de trabalho são exaustivas. Segundo o Ministério da Saúde, o número de afastamentos por doenças mentais no país triplicou nos últimos dez anos.

A saúde mental no ambiente de trabalho é um tema regulamentado pela legislação brasileira, sobretudo pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelas normas de segurança e saúde ocupacional.

Contudo, os casos de doenças relacionadas ao trabalho, como o burnout, somente passaram a ser oficialmente reconhecidos como doenças ocupacionais em 2022, com a inclusão na Classificação Internacional de Doenças (CID-11).

A Sociedade do Cansaço, segundo Byung-Chul Han

Byung-Chul Han, em sua obra “Sociedade do Cansaço”, descreve a mudança da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho. Segundo ele, o indivíduo contemporâneo não está mais submetido a um poder disciplinador externo, como outrora, mas a uma autocoação voltada para o sucesso e a performance. O trabalhador moderno é tanto o explorador quanto o explorado, criando uma cultura de autoexploração, em que o esgotamento é resultado da busca incessante por produtividade.

Han argumenta que essa cultura do desempenho gera um cansaço crônico e invisível, que atinge profundamente a saúde mental. Na sociedade do cansaço, a positividade tóxica de que “tudo é possível” força os indivíduos a se autossuperarem constantemente, levando ao colapso emocional. Esse conceito é central para a compreensão do burnout, uma síndrome de esgotamento físico e mental que tem suas raízes na pressão contínua por performance e na ausência de limites claros entre vida pessoal e profissional.

Relação entre a Sociedade do Cansaço e os transtornos mentais no trabalho

A análise de Byung-Chul Han é especialmente relevante para entender o avanço dos transtornos mentais no trabalho, visto que sua obra ilumina a transição do trabalhador de um estado de “submissão” para um estado de “autoexploração”. No ambiente corporativo, a autovigilância e a necessidade de ser constantemente produtivo são exacerbadas pela tecnologia, que permite que o trabalhador esteja disponível a qualquer momento.

No Brasil, essa lógica de produtividade exacerbada tem levado a um aumento nos diagnósticos de burnout e estresse ocupacional. Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), 72% dos trabalhadores brasileiros afirmam sentir-se esgotados mental e fisicamente, e 32% reportam sintomas de depressão relacionados ao trabalho.

O burnout, que é o reflexo mais claro da sociedade do desempenho, está relacionado ao cansaço extremo, à falta de realização e ao distanciamento emocional do trabalho. Na sociedade contemporânea, esse transtorno é uma resposta direta à sobrecarga de tarefas e à pressão por resultados. A ausência de intervalos e o prolongamento das jornadas, muitas vezes invisível, são elementos que contribuem para o avanço desse quadro.

Impacto nas relações de trabalho

O avanço dos transtornos mentais nas relações de trabalho também transforma a maneira como empregadores e empregados interagem. A busca desenfreada por resultados tem gerado um ambiente cada vez mais tóxico e competitivo. Nesse cenário, a saúde mental do trabalhador é frequentemente negligenciada, resultando em um aumento de casos de afastamento por doenças psicológicas.

Além disso, a relação hierárquica muitas vezes impõe um ciclo de cobranças e metas que desconsidera os limites humanos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já reconheceu que o impacto da pandemia exacerbou esses fatores, sendo necessário reavaliar o papel das lideranças em criar ambientes de trabalho que protejam a saúde mental dos trabalhadores.

No Brasil, a jurisprudência trabalhista tem se debruçado sobre casos de assédio moral e práticas empresariais que resultam em doenças psíquicas. Tribunais vêm reconhecendo o direito à indenização por danos morais e materiais em casos de doenças ocupacionais mentais, quando fica comprovado o nexo causal entre as condições de trabalho e o transtorno sofrido pelo empregado .

Soluções e alternativas

Diante desse cenário, é urgente que as empresas adotem políticas que promovam o bem-estar mental de seus trabalhadores. Entre as práticas mais efetivas, estão a flexibilização das jornadas de trabalho, a implementação de programas de apoio psicológico e a criação de ambientes onde o diálogo sobre saúde mental seja incentivado.

A legislação trabalhista brasileira já possui dispositivos que podem ser utilizados para proteger a saúde mental do trabalhador, como as normas de segurança e medicina do trabalho. No entanto, é necessário avançar em termos de regulamentação específica para doenças mentais ocupacionais, especialmente no que diz respeito ao burnout e ao estresse crônico .

Conclusão

O avanço dos transtornos mentais nas relações de trabalho é um reflexo direto da sociedade do cansaço descrita por Byung-Chul Han. A busca incessante por produtividade, alimentada por um ciclo de autoexploração, tem levado trabalhadores a níveis alarmantes de exaustão mental e emocional. O direito trabalhista brasileiro, embora possua dispositivos que protegem a saúde do trabalhador, ainda precisa se adaptar a essa nova realidade, onde a saúde mental deve ser uma prioridade nas relações de trabalho.

É necessário que esse tema seja cada vez mais discutido, tanto no âmbito empresarial quanto no jurídico, para que possamos construir ambientes de trabalho mais saudáveis e humanos, onde a produtividade não venha à custa da saúde mental.


Referências bibliográficas

Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). *Estatísticas sobre afastamentos por doenças mentais*. Disponível em: [INSS Afastamentos](https://www.inss.gov.br).

Ministério da Saúde. *Afastamentos por doenças mentais triplicam no Brasil em 10 anos*. Disponível em: [Ministério da Saúde](https://www.saude.gov.br).

Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Organização Mundial da Saúde. Disponível em: [CID-11](https://www.who.int).

Han, Byung-Chul. *Sociedade do Cansaço*. Editora Vozes, 2015.

Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). *Relatório sobre saúde mental no trabalho no Brasil*. Disponível em: [ABP Saúde Mental](https://www.abp.org.br).

Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho. *Impacto dos transtornos mentais nas relações de trabalho*. Disponível em: [Observatório SST](https://www.smartlabbr.org).

Organização Internacional do Trabalho (OIT). *Pandemia e o impacto na saúde mental dos trabalhadores*. Disponível em: [OIT Saúde Mental](https://www.ilo.org).

Tribunal Superior do Trabalho (TST). *Jurisprudência sobre transtornos mentais como doença ocupacional*. Disponível em: [TST Jurisprudência](https://www.tst.jus.br).

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). *Normas sobre segurança e saúde ocupacional*. Disponível em: [CLT Saúde](https://www.planalto.gov.br/).

é advogada trabalhista, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-RS, com atuação focada em acidentes do trabalho e doenças ocupacionais.

CONJUR

https://www.conjur.com.br/2024-out-29/o-avanco-dos-transtornos-mentais-nas-relacoes-de-trabalho-uma-analise-a-luz-de-byung-chul-han/


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