O direito à aposentadoria especial está vinculado à comprovação das condições de trabalho com exposição do segurado a agente classificado como nocivo, o que ocorre por meio das demonstrações do ambiente de trabalho, apresentadas pelo empregador.

  

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A publicação do decreto federal 10.410, no dia 1º de julho de 2020, trouxe alterações relevantes na Subseção IV (Aposentadoria Especial) do Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo decreto 3.048/99. Dentre elas, figuram reflexos atinentes à aposentadoria especial dos trabalhadores expostos a agentes químicos, físicos, biológicos e a gestão da Saúde e Segurança do Trabalho (SST) pelas empresas.

Antes de comentar tais alterações importante relembrar algumas premissas sobre a aposentadoria especial anteriormente ao decreto federal 10.410/20.

O direito à aposentadoria especial está vinculado à comprovação das condições de trabalho com exposição do segurado a agente classificado como nocivo, o que ocorre por meio das demonstrações do ambiente de trabalho, apresentadas pelo empregador.

Conforme o artigo 277 da instrução normativa INSS 77/15, são consideradas condições especiais que prejudicam a saúde ou a integridade física, conforme definido no Anexo IV do RPS, a exposição a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou à associação de agentes, em concentração ou intensidade e tempo de exposição que ultrapasse os limites de tolerância estabelecidos segundo critérios quantitativos1, ou que, dependendo do agente, torne a simples exposição em condição especial prejudicial à saúde, segundo critérios de avaliação qualitativa2.

Nesse diapasão, o até então vigente § 4º do art. 68 do decreto 3.048/99 assim discorria: A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador.

Nota-se pela regra prevista no §4º vigente à época, que o simples reconhecimento do risco (agente nocivo) conforme previsto no item 9.3.3 da Norma Regulamentadora 09 (Programa De Prevenção De Riscos Ambientais - PPRA) já seria suficiente para a confirmação da efetiva exposição do trabalhador e a consequente submissão ao procedimento de aposentadoria especial (presunção absoluta - “jure et de jure”), independentemente, da medição realizada pelo empregador no que tange a intensidade ou da concentração do agente (presunção relativa - “júris tantum”).

Ou seja, a regra era a prevalência da “avaliação qualitativa”, quando a nocividade é presumida e independe de mensuração, constatada pela simples presença do agente (químico; físico; biológico) no ambiente de trabalho.

Por outro lado, inovando substancialmente nas consequências do reconhecimento e avaliação dos riscos ocupacionais existentes no local de trabalho, vejamos agora a nova redação do § 4º trazida pelo decreto federal 10.410/20:

§ 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição.

A nova redação abre a possibilidade para o empregador avaliar e implementar medidas de controle (ex: de caráter coletivo, administrativo ou individual) que possam eliminar a nocividade, o que poderá, em princípio, implicar em descaracterização da efetiva exposição e, por consequência, em não configuração do direito de aposentadoria especial.

Até então, essa possibilidade era vedada ao empregador nos casos de agentes nocivos qualitativos. Ou seja, uma vez constatada a simples presença do agente no ambiente de trabalho estaria configurado o direito de aposentadoria especial (desde que cumprido os demais requisitos aplicáveis ao instituto - período de carência exigido; prazo mínimo de exposição; idade do trabalhador), com todas as suas implicações tributárias/previdenciárias para a empresa.

Contudo, pela nova regra as avaliações e os respectivos documentos ocupacionais da empresa (ex.: Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho - LTCAT) poderão atestar tecnicamente o contrário. Tal ajuste normativo abre uma gama de novas possibilidades que podem – e devem – levar a uma reavaliação rigorosa dos ambientes de trabalho e eventuais ajustes nas rotinas de preenchimento do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e do recolhimento da Contribuição para o Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GILRAT), mais comumente chamado de RAT.

Diante desse novo cenário, as equipes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMTs) das empresas terão papel fundamental, pois a adoção de medidas de controles ocupacionais que podem eliminar tal nocividade é de competência das equipes de segurança e saúde no trabalho das empresas conforme previsto na norma regulamentadora 04.

Por fim, um novo desafio que se apresenta é avaliar e prever se, atestada tecnicamente a eliminação da nocividade para os agentes nocivos “qualitativos”, quais serão os desdobramentos técnicos e jurídicos? Vejamos alguns exemplos:

a. Eliminada a nocividade, não há que se falar em direito de aposentadoria especial

b. Não configurado o direito a aposentadoria especial, não há que se falar em recolhimento do adicional da alíquota do RAT

c. Não configurado o direito a aposentadoria especial e não sendo devido o recolhimento do adicional da alíquota do RAT, além da economia imediata, estará reduzido o risco de autuações por parte do fisco quanto a este tributo.

Aliado ao elencado acima, deve-se sempre ter em mente que estamos falando em melhoria nos controles do ambiente de trabalho, com repercussão positiva para o trabalhador e para a respectiva empresa.

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1 Quantitativo, sendo a nocividade considerada pela ultrapassagem dos limites de tolerância ou doses, dispostos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE, por meio da mensuração da intensidade ou da concentração consideradas no tempo efetivo da exposição no ambiente de trabalho. (art. 278, §1º, II, da IN 77/2015).

2 Qualitativo, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, conforme constante nos Anexos 6, 13 e 14 da Norma Regulamentadora no 15 - NR-15 do MTE, e no Anexo IV do RPS, para os agentes iodo e níquel, a qual será comprovada mediante descrição (art. 278, §1º, I, da IN 77/15).

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*Marcus Vinicius Vaz Neves é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.

*Mário Medeiros Machado é advogado do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados.