Relatório da Oxfam também aponta para uma desigualdade de gênero: mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado realizado no mundo.

Há uma elite no Planeta – os 2.153 bilionários do mundo – que possuem uma riqueza maior do que 4,6 bilhões de pessoas, aproximadamente 60% da população global. O dado foi revelado pelo relatório Tempo de Cuidar – O Trabalho de Cuidado Mal Remunerado e Não Pago e a Crise Global da Desigualdade, lançado pela Oxfam neste domingo (19), às vésperas do Fórum Econômico Mundial.

Além de evidenciar que a concentração de renda chegou a nível recorde, o documento aponta para uma desigualdade de gênero. Enquanto os donos das grandes fortunas acumulam cada vez mais riqueza, as mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado realizado no mundo.

“O cuidado é alimentar, cozinhar, arrumar, cuidar da pessoa doente, da criança. Esse serviço todo é importante para a economia e não está sendo remunerado adequadamente ou, muitas vezes, não é remunerado”, critica Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil. “Na divisão do trabalho, a mulher é aquela que cuida e o homem é aquele que traz os recursos. Isso é antigo, mas muito presente na sociedade, em distintos países e cultura.”

Conforme o relatório, a cada dia, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas ao trabalho de cuidado não remunerado. Se fossem remuneradas, isso significaria uma contribuição de, pelo menos, US$ 10,8 trilhões por ano para a economia global – o triplo do valor gerado pela indústria tecnológica, por exemplo.

Segundo Katia Maia, a desigualdade de gênero precariza ainda mais a condição de trabalho das mulheres fora de casa. Em todo mundo, 42% delas não conseguem um emprego porque ocupam todo o seu tempo com o trabalho de cuidado e do lar. Entre os homens, esse percentual é de apenas 6%.

Outro dado publicado no novo levantamento da Oxfam se refere às mulheres que vivem em comunidades rurais e países de baixa renda. Elas dedicam até 14 horas por dia ao trabalho de cuidado não remunerado – cinco vezes mais do que os homens. De acordo com a organização, as meninas que realizam um grande número dessas funções apresentam taxas de frequência escolar mais baixa.

Para a porta-voz da Oxfam, as estatísticas mostram que a situação tende a piorar. “A população mundial está envelhecendo e vai precisar de cuidados, de saúde e de assistência. Aqui no Brasil, os recursos para essas políticas públicas estão sendo reduzidos”, denuncia ela, citando uma estatística do IBGE: “Até 2050, teremos 77 milhões de pessoas que vão precisar de cuidado, entre idosos e crianças. Se não tivermos um arcabouço de serviço público para atender, quem vai cuidar dessa população? De novo, as mulheres e as meninas.”

Outros dados corroboram a avaliação de Katia sobre a perpetuação dessa estrutura desigual. Apenas 30% dos municípios brasileiros contam com instituições de assistência a idosos, localizados em sua maioria no sudeste do país, de acordo com informações levantadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ou seja, o cuidado continuará a ser feito informalmente pelas famílias, com o trabalho não remunerado de uma maioria esmagadora de mulheres.

Um mundo para os 99%

O relatório Tempo de Cuidar também apresenta sugestões para que as desigualdades de gênero e de renda sejam enfrentadas. Entre elas, o desenvolvimento de legislações que protejam os direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas e cuidadoras – que representam 80% dos 67 milhões de indivíduos que trabalham na área.

A Oxfam também recomenda a adoção de medidas para reduzir drasticamente o fosso entre ricos e pobres. Para isso, indica a tributação de grandes fortunas e o combate à sonegação fiscal com urgência, assim como o investimento dos governos em sistemas públicos de prestação de cuidados.

Katia é enfática ao defender que uma reforma justa – que tribute os mais ricos, e não os mais pobres – ajudaria diretamente a diminuir a opressão e exploração de mulheres e meninas. Por meio dos recursos que seriam tributados, o Estado teria maior capacidade de oferecer assistência social e serviços públicos de qualidade, diminuindo a sobrecarga que recai sobre os ombros das mulheres em todo o mundo.

Com informações do Brasil de Fato