PERFILAMENTO RACIAL

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O Supremo Tribunal Federal começou nesta quarta-feira (1º/3) o julgamento que decide se o chamado "perfilamento racial" invalida provas colhidas durante abordagem policial. 

Julgamento será retomado na quinta (2/3)
Rosinei Coutinho/SCO/STF

O perfilamento acontece quando as buscas pessoais não são feitas a partir de evidências objetivas que apontem uma atitude suspeita, mas com base na raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade do alvo da abordagem. 

O caso concreto que motivou o julgamento envolve um homem negro condenado a quase 8 anos de prisão por tráfico de drogas depois de ser flagrado com 1,53 grama de cocaína. Embora a análise se dê em um Habeas Corpus, a decisão pode servir como um importante precedente sobre o tema.

Por isso, o ministro Edson Fachin, relator da matéria, admitiu que algumas entidades atuem como amicus curiae, entre elas o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Coalização Negra por Direitos, a Educafro e a Conectas Direitos Humanas. Ele também pediu preferência para esse julgamento, dada a "acentuada repercussão social" do tema. 

Na sessão desta quarta, só houve a leitura do relatório e as sustentações orais da Defensoria Pública de São Paulo — autora da ação — e dos amicus curiae, além da manifestação da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo. O julgamento será retomado na quinta-feira (2/3) com o voto de Fachin.

O defensor público Fernando Rodolfo afirmou que a abordagem policial se deu só pela cor da pele do réu, que estaria apenas de pé ao lado de um carro, às 11h da manhã, em Bauru, no interior de São Paulo. 

"Temos a verificação de um racismo estrutural. [O perfilamento] se trata de um comportamento automatizado, que aos nossos olhos vem invisibilizado, mas que é difundido e praticado pelas autoridades públicas e forças policiais", disse o defensor em sua sustentação. 

"Qual é o vetor principal para não se tratar o paciente como usuário [em vez de traficante] e não enxergarmos um problema mais de saúde pública que de criminal? É o racismo entranhado em nossas instituições. Se fosse um homem branco ele seria abordado? Certamente que não", concluiu.

Lindôra se manifestou contra a concessão do HC. Para ela, o Supremo não está julgando um "problema social", mas um caso de tráfico. Também disse que o racismo não é um "privilégio" do país. Ela comparou o racismo sofrido por negros no Brasil com o sofrido por "todos" os brasileiros em países como Portugal e Estados Unidos. 

“O racismo existe. Não temos como dizer que não existe. Existe, assim como nós sofremos em outros países. Nos Estados Unidos, nós também sofremos racismo, todos nós. Em Portugal, sofremos racismo também. Não é um privilégio daqui do Brasil”, disse. 

A vice-PGR afirmou que é preciso combater o tráfico de drogas porque "viciados" viram traficantes. 

"Depois que a pessoa está viciada, ela vira traficante. Ela não tem saída. A única saída é virar um futuro vendedor de droga. E aí temos uma população de drogados que não servirá para o trabalho, para o futuro, para nada.

Julgamento do STJ


O caso foi analisado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça antes de ir ao Supremo. Na ocasião, a Defensoria não citou o perfilamento racial. Em vez disso, pediu a aplicação do princípio da insignificância por causa da pouca quantidade de droga encontrada com o réu. 

Quem levantou o tema do perfilamento racial foi o ministro Sebastião Reis Júnior, relator da matéria no STJ. Ele afirmou que, ao que tudo indicava, a "fundada suspeita" dos policiais militares que fizeram a abordagem foi só a cor da pele do suspeito.

"Não se falou de altura, de fisionomia, se tinha cabelo, se tinha barba. A única referência era a pele negra. E a situação era de uma pessoa parada do lado de um carro", afirmou ele. "Para mim, ficou claro que o motivo da aproximação foi por se tratar de pessoa negra. Não tenho a menor dúvida disso."

Com base nesse argumento, o magistrado propôs que a abordagem fosse reconhecida, de ofício, como nula, uma vez que haveria manifesta ausência de fundada suspeita para justificar o procedimento. Consequentemente, os elementos probatórios cairiam também, levando à absolvição do réu.

A proposta, no entanto, não convenceu os demais ministros da 6ª Turma. Eles disseram que não era possível saber se a abordagem se deu exclusivamente em razão da cor da pele do réu. 

Ao levar o caso ao Supremo, a Defensoria mudou o enquadramento: em vez de pedir somente a aplicação da insignificância, introduziu os argumentos levantados por Sebastião Reis Júnior na análise da 6ª Turma. 

"Como bem percebido pelo ministro Sebastião Reis Júnior, a 'fundada suspeita' para a abordagem policial que deu azo à revista corporal e à apreensão da droga foi fundada essencialmente na cor da pele negra do suspeito, o que configura perfeito exemplo de perfilamento racial", diz o Pedro Henrique Lima. 

HC 208.240



 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2023-mar-01/stf-comeca-julgar-abordagem-cor-pele-invalida-provas