Pesquisa revela que, após a pandemia, racismo estrutural nos empregos formais agravou-se.

por Cézar Xavier

O Boletim Especial do Dieese “20 de Novembro, Dia da Consciência Negra” informa que, segundo os indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os segundos trimestres de 2019 e 2022, primeiro e último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), houve elevação da informalidade, da subocupação e queda dos rendimentos, efeitos sentidos mais intensamente pelo homem e pela mulher negra.  Confira aqui a íntegra do estudo.

Em 2022, apesar do crescimento de cerca de 2,5% e a retomada das atividades econômicas após a pandemia, não se traduziu em trabalho formal, elevação de rendimentos e igualdade de oportunidades. Ao contrário, segundo os indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os segundos trimestres de 2019 e 2022, houve elevação da informalidade, da subocupação e queda dos rendimentos, efeitos sentidos mais intensamente pelo homem e pela mulher negra. 

A estabilização da taxa de participação em patamares mais baixos do que antes da pandemia é um importante fenômeno ocorrido não só no Brasil, mas em muitos países, que pode ser explicado por motivos diversos: necessidade de cuidados com as crianças nos lares, riscos de adoecimento, complicações de saúde devido à covid, aposentadorias precoces, mudanças ou reavaliações de carreira, entre outros.

No total do mercado de trabalho, a taxa de participação, que indica a proporção da força de trabalho – ocupados e desempregados – em relação à população total, foi de 63,7%, no segundo trimestre de 2019, e de 62,6%, no mesmo período de 2022. Entre as mulheres negras, 53,3% estavam ocupadas ou desempregadas em 2019. O número caiu para 52,3% em 2022. Entre os homens negros, as taxas ficaram semelhantes nos dois períodos – 72,9%, no segundo trimestre de 2019, e 72,6%, em 2022. Entre as mulheres e os homens não negros, os patamares de 2022 foram menores do que os de 2019. 

São visíveis as dificuldades que as mulheres negras enfrentam no mercado de trabalho. No segundo trimestre de 2022, elas vivenciavam taxa de desocupação de 13,9%. Para os homens negros, a taxa era de 8,7%; para as não negras, de 8,9%; e para os homens não negros, foi observada a menor taxa, de 6,1%.

Neste período, entre as mulheres negras ocupadas, 19,7% estavam no setor de educação, saúde humana e serviços sociais; 19,2% no comércio; e 16,4% nos serviços domésticos. Entre os homens ocupados negros, 19,5% estavam no comércio; 14,8% no setor de construção; 14,4% na indústria; e 14,1% na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.

Com a crise sanitária, muitos trabalhadores perderam postos de trabalho e tiveram que buscar nova colocação ainda em 2020, em momento de quase pleno isolamento social. A taxa de desocupação nos segundos trimestres de 2020 e 2021 foi maior devido à pressão da força de trabalho para achar uma colocação, sem que as vagas tivessem aumentado na mesma proporção.

No segundo trimestre de 2022, mais de 30% do total dos ocupados se inseriram como assalariados com carteira. Entre o total de negras ocupadas, 31,5% tinham carteira assinada. Entre os homens negros ocupados, a proporção de trabalhadores formais era de 37,1%. Das ocupadas negras, 12,6% eram trabalhadoras domésticas sem carteira e 3,7% com carteira; 21,1%, trabalhadoras por conta própria; e 10,8%, assalariadas sem carteira. No total, quase metade (47,3%) das negras trabalhavam sem proteção. Entre os negros, 30,1% eram trabalhadores por conta própria e 18,1%, assalariados sem carteira.

Subocupação

São considerados subocupados por insuficiência de horas as pessoas que gostariam de ter jornada maior e têm disponibilidade para trabalhar mais, se houvesse oportunidade, explica o Dieese antes de dar novos numeros sobre a desigualdade entre negros e não negros.

No segundo trimestre de 2022, a proporção de subocupados em relação ao total de ocupados foi de 6,7%, menor do que o verificado nos demais anos. Em 2021, esse percentual foi de 8,6%.

Entre todos os segmentos populacionais, a proporção de negros em subocupação no segundo trimestre de 2022 foi maior: 10,0% entre as negras ocupadas e 6,5%, entre os negros ocupados. Na mesma situação estavam 6,7% das mulheres não negras e 4,0% dos homens não negros.

Podem ser somados aos subocupados os trabalhadores em situação de desalento (ou seja, aqueles que querem trabalhar e deixaram de procurar por falta de recurso financeiro ou por acreditar que não vão conseguir uma colocação) e os desocupados com busca ativa. 

Dessa forma, é obtida a taxa de subutilização da força de trabalho. No segundo trimestre de 2022, a taxa de subutilização foi a menor da série analisada (21,2%) e, no mesmo período de 2020, a maior (29,3%).

No entanto, em 2020 e 2021, de cada 100 ocupadas negras, mais de 40 estavam subutilizadas. Em 2022, essa proporção ficou em 31,5%.  São mulheres que querem e precisam trabalhar mais, mas não conseguem.

Entre os homens negros, em 2020, a taxa ficou em 29,3%, maior do que a proporção de mulheres não negras subutilizadas (26,7%).

Queda nos rendimentos

A comparação do segundo trimestre de 2022 com os demais trimestres dos anos anteriores mostrou redução dos rendimentos em todos os segmentos populacionais.

Entre os segundos trimestres de 2019 e 2022, a queda do rendimento médio real foi de -4,8% para o total de ocupados e, entre os segmentos, maior entre os não negros: de -7,6% para as mulheres e -5,4% para os homens. Entre os negros, caiu -3,6% para os homens e -0,8% para as mulheres.

Importante destacar que a elevação da renda média registrada entre 2020 e 2019 se deveu a um efeito estatístico perverso: enquanto os trabalhadores que ganhavam mais foram atuar em home office, aqueles com menor remuneração perderam as ocupações, o que fez com que fosse reduzida a quantidade de rendimentos de valores menores.

As mulheres negras, que, em geral, recebem os menores rendimentos, foram as mais penalizadas e ficaram sem renda durante o período mais intenso de isolamento social.

As médias de rendimento também comprovam a desigualdade de remuneração por raça/cor. Os não negros recebem, em média, mais do que os negros. No segundo trimestre de 2022, enquanto o homem não negro recebeu R$ 3.708 e a mulher não negra, R$ 2.774, a trabalhadora negra ganhou, em média, R$ 1.715, e o homem negro, R$ 2.142. Esses números indicam que a mulher negra recebeu, em 2022, 46,3% do rendimento recebido pelo homem não negro. Para o homem negro, essa proporção foi de 58,8%.

A diferença entre os rendimentos de negros e não negros é constante nos dados do mercado de trabalho e precisa ser modificada a partir de políticas públicas e sensibilização da sociedade. Não importa somente elevar a escolaridade da população negra, mas sensibilizar a sociedade em relação à discriminação existente no mercado de trabalho, que penaliza parcela expressiva de brasileiros.

Para o conjunto de ocupados brasileiros, o rendimento caiu entre os segundos trimestres de 2021 e 2022 (-4,70%). Entre as ocupadas negras, a redução foi de -3,54%, e, entre as não negras, de -6,00%; para os homens, entre negros, de -2,59% e, entre os não negros, de -3,61%.

Quando se observa a posição na ocupação, o rendimento subiu entre as trabalhadoras domésticas sem carteira (1,14%) e entre os trabalhadores por conta própria (2,15%).

No mesmo período de análise, foram registradas elevações de rendimento entre os dois trimestres para trabalhadores assalariados sem carteira negros (5,52%) e negras (4,23%). Entre as trabalhadoras domésticas negras sem carteira, o aumento foi de 2,50% e, entre os homens negros nessa mesma posição, de 9,19%. Já entre os trabalhadores por conta própria, as maiores elevações ocorreram entre as mulheres negras (5,16%), os homens não negros (5,14%) e os negros (1,88%).

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2022/11/19/dieese-registra-persistente-desvantagem-para-negros-no-mercado-de-trabalho/