OPINIÃO

Por  e 

Não obstante a redação do artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho, o ordenamento jurídico pátrio ainda carece de definição do que vem a ser despedida coletiva.

O Código do Trabalho português, em seu artigo 359 [1], considera despedimento coletivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias seções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

Nos termos do mesmo dispositivo, consideram-se nomeadamente motivos de mercado a redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal de colocar esses bens ou serviços no mercado; motivos estruturais, o desequilíbrio econômico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes; e motivos tecnológicos, as alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Presente a lacuna legislativa acerca da definição da despedida em massa, na forma do caput do artigo 8º Consolidado, mantida pelo legislador reformista, é possível e até recomendável a utilização do direito comparado para suprir o vazio normativo, na certeza de que o referido artigo 359 do Código do Trabalho português atende ao fim colimado.

Impende gizar que o artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho não alterou o precedente estabelecido pela decisão do Tribunal Superior do Trabalho no intitulado "Caso Embraer", tendo-se que o referido dispositivo somente estatuiu não existir necessidade, em se tratando de despedida coletiva, de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação, mas não tornou dispensável a etapa prévia da negociação coletiva, decidida pela Corte Trabalhista de cúpula a partir do referido leading case.

Por esta razão, permanece inalterado o indigitado precedente, no qual o Tribunal Superior do Trabalho, partindo da premissa segundo a qual a despedida coletiva é questão que deve ser tratada sob a lógica do direito coletivo, decidiu que todas as demissões em massa no Brasil devem ser precedidas da etapa da negociação coletiva. Ou seja, somente após o insucesso da negociação, na qual os motivos da cessação massiva serão desvelados e analisados à luz da legitimidade e viabilidade, é que, em tese, poderá haver o ato de desligamento, sem impedimento de ajuizamento de dissídio coletivo posteriormente. A partir da decisão desse caso paradigmático é possível afirmar que o Tribunal Superior do Trabalho, embora sem se referir precisa e claramente, estabeleceu o procedimento da despedida coletiva, afirmando, em linhas gerais, que o devido processo legal é princípio e, como tal, possui normatividade e penetra na relação privada de emprego.

Embora o Tribunal Superior do Trabalho tenha atribuído normatividade aos princípios, sobretudo à dignidade da pessoa humana e à boa-fé, não afirmou que a primeira parte do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, possui alta densidade normativa, sendo proibida a despedida não lastreada em motivo socialmente justo, ensejando uma indenização pela dispensa antijurídica. Poderia tê-lo feito, vez que já havia trilhado o caminho do ativismo judicial, que possibilitaria, em tese, o arbitramento da referida indenização ou reintegração, mesmo sem previsão em lei complementar — e acharia facilmente justificativa para tanto, ancorada certamente no dever de proteção do Estado e na inércia do legislador.

Entrementes, a Corte preferiu chancelar a despedida massiva para aquele caso específico, criando uma etapa prévia para os casos futuros, o que atraiu a insatisfação do setor empresarial, que desejava permanecer livre para despedir sem qualquer motivação. Em momento posterior, a Embraer, apesar de vencedora no processo, recorreu extraordinariamente ao Supremo Tribunal Federal, almejando que a Corte Suprema revisse a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da "criação" da etapa prévia da negociação coletiva para as dispensas em massa. O apelo extremo teve a sua repercussão geral reconhecida e o mérito recentemente julgado, conforme se analisará abaixo [2].

Estas articulistas sempre defenderam que o princípio do devido processo legal é norma constitucional e invade a relação de emprego, limitando a autonomia privada individual ou coletiva. Isso porque a relação de emprego é um tipo de relação privada eivada de poder social, expresso não apenas no poder diretivo e todas as suas nuances, mas particularmente na ideia presente no direito potestativo de despedir sem motivação alguma, absorvida pelo artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Não há poder maior destinado ao empregador do que cessar o contrato de trabalho sem justificativa alguma, impedindo, dessa forma, que o empregado exerça, no transcorrer do liame, pelo medo, o seu pseudodireito de resistência, vez que a qualquer momento poderá ter o contrato resilido. Reitere-se que a lógica do direito potestativo de despedir imotivadamente esvazia até o conteúdo dos direitos laborais específicos e o próprio acesso à Justiça de forma livre, sendo bastante perceber que os empregados não acionam a Justiça do Trabalho, não reclamam quando o contrato está em curso, deixando para fazê-lo apenas em momento posterior à despedida.

No caso específico da despedida coletiva, essa realidade é ainda mais cruel, diante do grande impacto social e econômico estimulado pelo ato resilitório do empregador. Para além da certeza de que todas as despedidas no território brasileiro devem ser lastreadas em motivo não arbitrário, o princípio do devido processo legal proporciona sólido fundamento para rechaçar a clássica racionalidade do direito potestativo de despedir imotivadamente.

A cláusula do devido processo legal encerra um feixe de princípios, dentre os quais se destaca o contraditório, a ampla defesa, o non bis in idem, a razoabilidade e proporcionalidade da sanção, além da motivação dos atos punitivos nas relações privadas. A etapa prévia da negociação, estabelecida pelo Tribunal Superior do Trabalho, consubstancia a aplicação do devido processo legal na relação privada, vez que faculta a possibilidade de serem controvertidos os motivos da dispensa em massa, visando à solução do problema social e econômico. É uma oportunidade de ser estabelecida, entre patrões e empregados, uma relação dialógica pautada na racionalidade comunicativa habermasiana. Ainda que se considere a existência de ativismo judicial, o fato é que este fenômeno não é exclusivo do Tribunal Superior do Trabalho e nem merece ser repelido pelo Estado-legislador, como estatuído no artigo 477-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Julgando o Tema 638 da Tabela de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: "A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo" [3].

Após empolgante debate, os ministros da Corte Suprema majoritariamente acordaram em impor a procedimentalização da despedida em massa, tese proposta pelo ministro Luís Roberto Barroso, que em seu voto afirmou exatamente o que já se defendeu na presente obra: a necessidade de aplicação do devido processo legal nas despedidas coletivas.

Nas palavras de Sua Excelência:

"A meu ver, o que o TST fez foi instituir um devido processo legal mínimo, e acho que um devido processo legal mínimo tem assento constitucional. Aliás, este Tribunal, aplicando direitos fundamentais nas relações privadas, já decidiu isso num caso emblemático em que um músico havia sido expulso de uma entidade que os congregava — expulso sem ser ouvido naquele caso específico. Penso que o que o TST instituiu aqui quase que poderia ser cognominado de o direito de ser ouvido antes de ser mandado embora, que é uma providência que até com maior nível de exigência, de restrição, se adota em diferentes partes do mundo, notadamente em países europeus."

O ministro Barroso também reconheceu a inconstitucionalidade da omissão legislativa em regulamentar a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e esclareceu o que o Tribunal Superior do Trabalho impôs a partir do acórdão no "caso Embraer":

"O que o TST decidiu? Determinou a negociação coletiva tida como imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores. Aqui — e isso já foi enfatizado — é preciso notar bem: o Tribunal Superior do Trabalho introduziu um requisito procedimental e não material, que é, ao demitir em massa ou para decidir em massa, tem de sentar à mesa de negociação. Por que eu enfatizei que é uma exigência procedimental? Porque o TST não exigiu que se chegasse a um acordo; o TST não previu uma autorização prévia do sindicato ou um acordo de vontades para que se pudesse promover a demissão em massa. Se não houver acordo, a demissão se consumará do mesmo modo. E é muito importante enfatizar isso. Não é a criação de um direito material restritivo do direito potestativo de demitir o empregado. Foi a criação de um requisito procedimental de um diálogo mínimo antes de se consumar uma demissão em massa, no caso específico, de mais de quatro mil trabalhadores. Porque a exigência, Presidente, é puramente procedimental, e, pedindo todas as vênias a quem pense de maneira diferente, eu acredito que não há que se falar em violação à livre iniciativa, porque, no frigir dos ovos e no final do dia, vai ser a vontade do empregador que vai prevalecer, mas depois de ter ouvido as razões do sindicato que representa os trabalhadores."

O ministro Fachin igualmente recordou a necessidade de observância do devido processo legal, como uma garantia fundamental que não pode ser ignorada nas relações privadas. Em seu voto, o aludido Ministro pontifica que: "Mesmo que razões sócio-históricas justifiquem a opção de conformar, com respeito ao devido processo legal substantivo, os direitos fundamentais dos trabalhadores não podem ser desconsiderados e desprezados, no contexto de um Estado Democrático de Direito".

A partir da fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal, reitera-se a necessidade de as partes dialogarem coletivamente, sem que haja obrigação de se confeccionar acordo coletivo. Essa etapa prévia dialógica decorre do devido processo legal, aplicável à relação privada de trabalho e se impõe como direito fundamental inespecífico destinado aos trabalhadores.

Apesar da certeza no que toca à necessidade de observância da procedimentalização nas despedidas em massa, em 09 de agosto de 2022, julgando o RO nº 11778-65.2017.5.03.0000, a SBDI-II proferiu a seguinte decisão:

"[...] Dispensa coletiva. Tese vinculante do STF firmada no RE 999435/SP. Tema 638 da tabela de repercussão geral. Necessidade de intervenção sindical. Inexistência de direito à reintegração dos trabalhadores. Ausência de previsão legal ou convencional de estabilidade. Direito líquido e certo não violado. No tema 638 da tabela de repercussão geral, o STF fixou tese vinculante de que 'a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores', mas ressalvou que a intervenção 'não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo'. Nesse contexto, ante a ausência de qualquer previsão legal ou convencional de estabilidade, não viola direito líquido e certo, o indeferimento de pedido de reintegração de trabalhadores dispensados coletivamente, em sede de tutela provisória, haja vista que a intervenção sindical obrigatória no processo de dispensa coletiva não assegura estabilidade aos empregados dispensados. No mais, a não observância do diálogo sindical prévio traduz-se em dano moral coletivo e não a retomada de contratos de trabalho [...] deu provimento ao recurso ordinário para denegar a segurança [4]."

Pedindo vênias ao TST, a consequência para a não observância do devido processo legal na despedida só pode ser a reintegração ou a indenização de cada um dos trabalhadores, não sendo suficiente para a defesa da normatividade do Texto Constitucional a possível indenização por dano moral coletivo.

O que ora se defende encontra respaldo justamente no artigo 7º, I da Constituição de 1988, que prevê a proteção em face da despedida arbitrária ou sem justa causa, sob pena de pagamento de indenização compensatória, sem excluir outros direitos.

Na esteira do que afirmou o ministro Barroso em seu lapidar voto no Tema 638 da Tabela de Repercussão Geral, há omissão do Estado-Legislador há, pelo menos, trinta e quatro anos, fato que por si só já permite intervenção maior do Estado-Juiz, de modo a conferir efetividade ao referido direito fundamental.

O aludido ministro recorda [5] que o Poder Judiciário deve evitar o esvaziamento do Texto Constitucional e que atitude mais ativa por parte do Poder Judiciário não é novidade na Corte Suprema, que até já criminalizou a homofobia, sem que haja previsão específica de tipo penal na legislação pertinente.


[1] PORTUGAL. Lei n. 07, de 12 de fevereiro de 2009 – Código do Trabalho. Disponível em: <https://www.unl.pt/sites/default/files/codigo_do_trabalho.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2020.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com Agravo nº 647.651/SP. Relator Ministro Marco Aurélio; Órgão julgador: Plenário; Data de julgamento: 22.03.2013; Data de publicação: DJE 02.05.2013. "Decisão pela existência de repercussão geral: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o ministro Luiz Fux. Não se manifestou a ministra Cármen Lúcia". Em 30.01.2017, o processo foi substituído para julgamento de tema de repercussão geral pelo Recurso Extraordinário 999.435/SP. O tema nº 638, vinculado ao RE nº 999.435/SP, foi delimitado nos seguintes termos: "Tema nº 638. Necessidade de negociação coletiva para a dispensa em massa de trabalhadores".

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. RE nº 999435. Relator ministro Marco Aurélio de Melo; Data de julgamento: 08/06/2022; Data de publicação: 15.09.2022.

[4] BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RO-11778-65.2017.5.03.0000, SBDI-II, relator ministro Emmanoel Pereira, julgado em 9/8/2022.

[5] Eis as exatas palavras do ministro: "Tampouco me impressiona, com todas as vênias de quem entenda diferentemente, que tal exigência não poderia ter sido feita por decisão judicial, na medida em que a Constituição exige lei complementar. Eu aqui entendo, pelo princípio da efetividade, que é um dos princípios instrumentais da interpretação constitucional, que é papel sim do Supremo Tribunal Federal impedir o esvaziamento de direitos constitucionais pela inércia do legislador, e, no caso específico, uma inércia mais do que trintenária. Nós já temos feito isso em outras ocasiões, como se fez relativamente à greve no serviço público, cuja regulamentação não vinha, e, ainda mais recentemente e com mais ousadia, eu diria, e com a minha adesão, se fez em relação à criminalização da homofobia. Supriu-se uma prolongada omissão inconstitucional. Portanto, não seria sem precedentes, na história deste Tribunal, dar-se concretude a um direito constitucional por via de interpretação diante da prolongada omissão legislativa".



 é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Cers, Ucsal, Unifacs e das escolas judiciais do TRT da 5ª, 6ª, 7ª e 16ª Regiões.

 é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região, mestra em Direito pela UFBA, doutora pela PUC-SP, pós-doutora pela Universidade de Salamanca, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Ematra5, Cers, Cejas, Ucsal e da Escola Judicial do TRT da 5ª, 6ª, 10ª, 13º e 16ª Regiões, autora de livros e artigos jurídicos e ex-professora substituta da UFRN.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-nov-09/lacerdae-vale-procedimentalizacao-despedida-coletiva