Gesto de resistência

O presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, durante sessão na casa
O presidente da Assembleia Nacional venezuelana, Juan Guaidó, durante sessão na casa - Federico Parra/AFP

São predominantes, ainda, os sentimentos de prostração e fatalismo entre os venezuelanos diante da perspectiva de mais seis anos sob regime chavista, mas parece tomar forma um novo, e em certa medida surpreendente, movimento de contestação ao ditador Nicolás Maduro, proveniente da Assembleia Nacional.

Com maioria opositora, o Parlamento anunciou, nesta terça (15), a criação de um governo de transição para substituir Maduro.

Invocando a Constituição, o órgão o considerou usurpador da Presidência por ter tomado posse, no dia 10, para um segundo mandato conquistado por meio de uma eleição ilegítima, amplamente rejeitada pela comunidade internacional.

Em termos práticos, cumpre dizer, a medida resulta de pouca valia. O Poder Executivo recusa-se a acatar decisões do Legislativo desde que se instituiu, após votação fraudulenta em 2017, um arremedo de Assembleia Constituinte. Esta, 100% oficialista, passou a exercer as atribuições do Parlamento legitimamente constituído.

Desponta como líder antichavista o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó. Segundo o documento aprovado pelos parlamentares, na hipótese de afastamento de Maduro, o comando do país seria transferido a Guaidó enquanto não ocorressem novas eleições.

Até então pouco conhecido no exterior, o deputado de 35 anos passou a ganhar projeção quando se declarou presidente interino da Venezuela, na sexta-feira (11), e pediu o respaldo de nações vizinhas —o Itamaraty, em nota, saudou o gesto.

Dois dias depois, em uma grotesca ação registrada em vídeo por testemunhas, agentes do Sebin (Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional) retiraram Guaidó de seu carro no meio de uma estrada e o detiveram por cerca de uma hora.

A despeito do sinistro histórico desse aparato em perseguir —quando não eliminar— adversários do regime, Maduro alegou tratar-se de um “show midiático”, um complô da oposição com funcionários corruptos do Sebin.

Por mais que a ofensiva da Assembleia não venha a trazer consequências imediatas pelo restabelecimento da ordem democrática, está claro que sua repercussão tem causado incômodo ao ditador.

Cabe às figuras opositoras, agora, persistir na via político-constitucional para mobilizar a população e aumentar a pressão sobre Maduro. Qualquer solução pelo uso da força, seja um levante das Forças Armadas ou mesmo uma intervenção militar estrangeira, apenas agravaria o caos institucional. 

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Folha de S.Paulo