A agropecuária puxou a economia no primeiro trimestre, beneficiada pelo mercado externo. Indústria e serviços ainda patinam.

    

Camila Domingues/Palácio Piratini

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Preços internacionais fizeram o setor agropecuário crescer 13,4% no primeiro trimestre.

      

economia brasileira cresceu 1% nos três primeiros meses do ano, interrompendo uma longa sequência de oito trimestres de retração. Mas o que é comemorado pelo presidente Michel Temer e sua equipe econômica, é visto como o tal “voo de galinha” pelos economistas ouvidos pela reportagem de CartaCapital.

Temer já declarou que a recessão acabou, enquanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o caminho é longo, mas a direção é correta. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inclusive, é cauteloso. A gerente de contas nacionais, Rebeca Palis, avalia que ainda é cedo para falar em saída da recessão.

De acordo com os números divulgados na manhã da quinta-feira 1º pelo IBGE, o setor agropecuário cresceu 13,4% no primeiro trimestre deste ano ante os três meses anteriores, já considerando os ajustes sazonais, o maior crescimento em 20 anos. Na mesma comparação, os demais componentes da oferta – indústria e serviços – tiveram desempenhos bem aquém, alta de 0,9% e estabilidade, respectivamente.

Aí o principal ponto de análise, segundo o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Júlio Miragaya. A Agropecuária, que contabiliza também os resultados do setor extrativo-mineral, foi fortemente influenciada pela alta dos preços das commodities agrícolas e minerais no primeiro trimestre, o que não deve se repetir no período de abril a junho. Contribuiu, e muito, a supersafra atual, com destaques para a colheita de soja, milho, arroz e fumo.

“Embora o peso das exportações de minério e petróleo não seja tão grande, o crescimento foi muito relevante”, explica. Para ilustrar, a tonelada do minério de ferro chegou a 80 dólares no primeiro trimestre, mas já está sendo negociado perto dos 50 dólares. 

Para Miragaya, “apenas parou de piorar”, pois o resultado do PIB em relação ao mesmo período do ano passado ainda é negativo, com queda de 0,4%. “Quando está assim, o estoque da piora ainda é muito forte”, afirma, se referindo especialmente ao rombo das contas públicas e ao desemprego. “É como no jogo com a Alemanha: acabou o primeiro tempo com cinco gols. No segundo foram só dois então parecia que nem era tão ruim”, compara.

O economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas, coordenador executivo do Fórum de Economia da Escola de Economia de São Paulo da FGV e presidente da Associação Keynesiana Brasileira, tem a mesma linha de análise. Ele menciona especialmente as exportações em volume. As vendas externas de produtos primários cresceram 29% no primeiro trimestre e as de básicos, 115%. Os dados por volume não sofrem a interferência de preço ou câmbio.

Importante componente do PIB pelo lado da demanda, o consumo das famílias ainda amarga queda de 1,9% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. “Está tudo parado. O consumo é feito com a massa de rendimento, que não cresceu. São 14 milhões de desocupados”, lembra o economista, citando o dado divulgado na quarta-feira 31 pelo IBGE.

O presidente do Cofecon avalia que o que puxa a economia de fato são Indústria e Serviços e defende que enquanto não houver uma retomada de fato dos investimentos a economia não vai responder de forma relevante. “E nada indica que haverá (uma retomada dos investimentos)”, afirma se referindo especialmente aos cortes feitos pelo governo nos investimentos públicos que, de forma cíclica, devem impactar negativamente sobre a arrecadação e novamente sobre os investimentos.

Pesa ainda a falta de confiança de consumidores e empresários. Diante do altíssimo grau de incerteza política, compras e investimentos, mesmo quando possíveis, são adiados. Ações como o corte de juros tampouco aliviam o lado da demanda. Para Miragaya, cortes como o último, de 1 ponto porcentual, nada mais são do que reflexo da queda da inflação. “É consequência, não ação de estímulo”.

"A única chance de haver um bom desempenho no próximo trimestre é o setor agropecuário manter o desempenho", avalia Marconi, que acredita que os números referentes a abril a junho devem ser ainda mais contaminados pela crise política e pela falta de investimento. A Formação Bruta de Capital Fixo, os investimentos, sofreu contração de 3,7% no primeiro trimestre de 2017, a décima segunda consecutiva.

A taxa de investimentos do país permaneceu no primeiro trimestre em 15,6% do PPIB, nível em que chegou no quarto trimestre de 2016 e o menor da série disponibilizada pelo IBGE, que começa em 1995. 

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Fonte: IBGE
       

Metodologia

No início do ano o IBGE anunciou a mudança na metodologia de duas de suas pesquisas mensais: uma sobre vendas no varejo, outra sobre o desempenho do setor de serviços. As modificações são semelhantes nos dois casos.

O instituto atualizou o cadastro de empresas entrevistadas (algumas entraram, as que fecharam as portas saíram). Mudou o peso amostral de certos subsetores (as vendas dos supermercados, por exemplo, perderam peso no levantamento sobre o comércio, as de combustíveis ganharam). E fixou um novo marco zero comparativo, o ano de 2014 (antes era 2011).

Com essa repaginada, preparada há cerca de dois anos e meio, o IBGE acredita ter produzido um retrato mais fiel sobre o varejo e o setor de serviços.

Os primeiros dados na nova metodologia foram coletados em janeiro e divulgados em março. No comércio, as vendas caíram 0,7% em relação a dezembro, enquanto os serviços recuaram 2,2%. Em abril, ao divulgar os números de fevereiro, o IBGE revisou os dados de janeiro e, surpresa, queda virou expansão. De 5,5% no comércio e de 0,2%, nos serviços.

A mudança influenciou o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central, um dado mensal que pode ser considerado uma prévia do PIB. Quatro dias depois da revisão do IBGE, o BC informou que o IBC-Br de fevereiro era de 1,3%. E que o do janeiro, antes negativo em 0,26%, virou positivo, de 0,62%.

 Economistas e acadêmicos chiaram e acusaram o IBGE de maquiar dados para beneficiar o governo. Meses depois, porém, tudo está mais calmo. Júlio Miragaya, do Cofecon, chegou a pedir explicações ao IBGE, mas agora acredita que o resultado trimestral do PIB não está contaminado pela mudança de metodologia.

“É fato que as mudanças não foram devidamente esclarecidas, mas uma eventual distorção em um mês é atenuada no conjunto dos dados do trimestre”, afirma. Para Miragaya, o erro foi justamente Banco Central se apropriar de forma muita rápida do dado pontual para seu índice de fevereiro.

         

“PIB do BC” x IBGE

O dado do IBGE acompanhou o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central, considerado uma prévia do indicador oficial ou o "PIB do BC". O indicador do BC fechou o primeiro trimestre de 2017 com alta de 1,12% em relação aos três meses anteriores. Em comparação com o primeiro trimestre de 2016, porém, a atividade registrou alta de 0,29%.

As metodologias dos dois indicadores são diferentes: enquanto a estimativa do IBC-Br incorpora a produção estimada para os três setores acrescida dos impostos sobre produtos, o PIB é calculado pela soma de todos os bens e serviços produzidos no país durante certo período.

    

Fonte: Carta Capital, 02 de junho de 2017