Leo Pinheiro/Valor
  - Clemente Ganz Lúcio:
"Minha expectativa é que tenhamos aceleração da terceirização
por conta da reforma trabalhista"

              

O saldo líquido de postos de trabalho no mercado formal voltou ao azul no acumulado em 12 meses, mas somente com a criação de empregos de baixa remuneração. No ano terminado em março, 140,6 mil vagas com carteira assinada foram abertas no Brasil. Até fevereiro, o dado era positivo em 20,8 mil. Antes dos resultados deste ano, a última vez em que a diferença entre admissões e demissões ficou acima de zero foi em janeiro de 2015.

A recuperação, no entanto, foi quase totalmente garantida por ocupações que pagam entre um e um e meio salário mínimo - ou seja, entre R$ 954 e R$ 1.431. Nessa faixa - que se situa abaixo do rendimento médio real dos ocupados, de R$ 2.169, segundo o IBGE - foram gerados 600,5 mil postos no ano terminado em março. Em todos os estratos superiores, o saldo entre admissões e demissões ficou no vermelho.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, foram separados de acordo com a remuneração pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

A estrutura ocupacional do país, mais dependente dos serviços, também tem se mantido. Segundo desagregação feita pelo Ibre, o setor que mais está empregando é o de "serviços modernos" - como atividades imobiliárias, financeiras e de Tecnologia da Informação (TI), -, que contratou 143,2 mil pessoas no ano encerrado em março.

                

                 

Já a categoria chamada pelos pesquisadores de "serviços tradicionais" - em que estão segmentos como alojamento, alimentação e comércio varejista, e pagam menores salários - gerou 45,8 mil vagas no mesmo período, tendência de recuperação considerada ainda lenta pelo Ibre, assim como a indústria de transformação. Também considerando o acumulado em 12 meses, esse setor abriu 29,6 mil vagas.

"Os dados revelam uma forte retomada do emprego com carteira assinada, mas esta recuperação está concentrada em setores intensivos em empregos de baixa qualificação e remuneração", avaliam os economistas Bruno Ottoni e Tiago Cabral Barreira. Portanto, afirmam, as surpresas positivas recentes com os resultados do Caged devem ser vistas com "cautela".

Historicamente, os empregos com remuneração mais baixa são os que antecipam tendências de aceleração e desaceleração do mercado de trabalho, observa Barreira. Nesse sentido, a volta da geração de vagas nas faixas salariais menores em um primeiro momento já era esperada, e representa um movimento positivo. Mais à frente, a expectativa é que o aquecimento do mercado impulsione também uma maior geração de postos que pagam salários mais altos, afirma.

"Neste momento, as empresas estão fazendo investimentos na mão de obra que pesa menos em seus custos", diz Fabio Romão, da LCA Consultores. A reação da atividade já está clara para os empresários, mas ainda há muita incerteza em relação ao ritmo da retomada, o que se reflete sobre o perfil das vagas criadas, explica. Além disso, muitas pessoas perderam o emprego durante a crise e, agora, podem ter aceitado um emprego com menor remuneração, acrescenta Romão.

Por outro lado, um efeito observado nos últimos anos que elevava a fatia daqueles que recebem menos de dois salários mínimos não ocorreu em 2018, pondera o economista. A política de valorização do mínimo - corrigido anualmente pelo INPC do ano anterior e pela variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes - "empurrava" boa parte dos trabalhadores com carteira para a base da pirâmide.

Neste ano, porém, o reajuste do piso nacional, de apenas 1,81%, foi o mais baixo desde 1995, primeiro ano após a criação do Plano Real. A atual fórmula de correção do piso nacional vale até 2019, e pode ser mudada ou continuar de 2020 em diante.

Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio observa que a fatia de empregadores e de trabalhadores por conta própria no total de ocupados está em alta, tendência que, em sua visão, também se reflete em geração mais fraca de vagas formais, e com menores salários.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, a participação dessas duas categorias no total da população ocupada - entre formais e informais - subiu de 29,5% no primeiro trimestre de 2017 para 30,1% em igual intervalo deste ano. Na comparação anual, o contingente de empregadores avançou 5,7%, para 4,4 milhões de pessoas, e o de empregados por conta própria aumentou 3,8%, para 22,9 milhões.

"Minha expectativa é que tenhamos uma aceleração da terceirização por conta da reforma trabalhista, o que pode significar uma perda de postos intermediários no mercado formal", diz Ganz Lúcio. Assim, a geração de postos com carteira ficaria cada vez mais concentrada em vagas de remuneração mais baixa. No momento atual, diz, a retomada em ritmo fraco da atividade leva as empresas a terem maior cautela para contratar. "Essa é uma característica da saída da crise."

Em março de 2010, logo após o fim da recessão de 2009, a faixa de um até um e meio salário mínimo acumulava saldo positivo de 1,3 milhão de postos formais em 12 meses. Na época, esse estrato era responsável por 75,9% do total de vagas celetistas criadas em igual período.

Para Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a retomada de vagas formais concentrada na base da pirâmide salarial é explicada pelos setores que estão criando os empregos.

"O setor que está com saldo líquido positivo é o de serviços, que emprega mão de obra pouco qualificada", diz. Por outro lado, a indústria, que paga melhores salários, tem mostrado reação mais lenta que o previsto. "Esperávamos um crescimento mais acelerado, que repercutiria mais sobre o mercado de trabalho, mas os empresários estão mais incertos sobre o ritmo de retomada."

                       

Fonte: Valor Econômico, 02 de maio de 2018