Decisão apontou que a entidade usava o trabalho voluntário para ocultar vínculos de emprego e explorar mão de obra gratuita.
Da Redação
O juiz do Trabalho Luiz Olympio Brandão Vidal, da 4ª vara de Juiz de Fora/MG, reconheceu vínculo empregatício e a ocorrência de trabalho análogo à escravidão em uma instituição terapêutica que explorava seis dependentes químicos sob o pretexto de acolhimento.
O magistrado concluiu que a instituição se valeu do trabalho voluntário para disfarçar relações de emprego e explorar mão de obra gratuita, fixando indenização de R$ 50 mil por danos morais coletivos e R$ 10 mil individuais para cada trabalhador.
Trabalho degradante
A fiscalização, iniciada após denúncia da Vigilância Sanitária, constatou que os trabalhadores moravam na instituição e executavam atividades como construção civil, manutenção da horta e preparo de alimentos, sem registro em carteira, remuneração ou fornecimento de equipamentos de proteção individual.
As condições dos alojamentos eram precárias, com alimentos vencidos, água imprópria para consumo e ausência de acompanhamento médico ou terapêutico. Todos os trabalhadores, dependentes químicos, relataram jornadas exaustivas e falta de supervisão profissional, evidenciando situação de vulnerabilidade e degradação.
Segundo os relatórios da Vigilância Sanitária e do MPT, o local não apresentava características de comunidade terapêutica, pois não havia prontuários, prescrições médicas ou planos terapêuticos. As atividades, principalmente de construção civil, foram consideradas exploração da força de trabalho em violação aos direitos humanos e à legislação trabalhista.
Em sua defesa, a instituição afirmou ser entidade sem fins lucrativos dedicada ao tratamento de dependentes químicos desde 2016, oferecendo apoio médico, psicológico e espiritual. Alegou que os serviços eram prestados de forma voluntária, com termos de adesão assinados conforme a lei 9.608/98, e que não havia vínculo de emprego ou restrição de liberdade.
O juiz, contudo, afastou essa tese ao reconhecer que a prestação de serviços era pessoal, habitual, subordinada e com expectativa de compensação material, caracterizando vínculo empregatício conforme os arts. 2º e 3º da CLT.
Apenas quatro dos seis trabalhadores tinham termo de adesão, e os documentos não especificavam as atividades desempenhadas. Segundo o magistrado, a ausência de contrato escrito com dois dos trabalhadores indicava "trabalho prestado sob servidão branca".
Exploração de vulnerabilidade
Para o juiz, o trabalho voluntário foi utilizado de forma indevida para encobrir relação de emprego, contrariando os princípios da dignidade humana e do valor social do trabalho. Ele destacou que os trabalhadores, dependentes de substâncias psicoativas, eram explorados em atividades de construção civil "em troca de alimentação e moradia, sem remuneração digna, treinamento ou equipamentos de proteção".
O magistrado concluiu que a instituição "se valeu da força de trabalho de pessoas vulneráveis para a expansão das edificações, numa genuína relação de emprego, de modo informal", declarando nulos os contratos de trabalho voluntário, conforme o art. 9º da CLT. A decisão também reconheceu as autuações da fiscalização como válidas e amparadas por presunção de veracidade.
O juiz fundamentou a decisão nas diretrizes do Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo, que amplia o conceito de escravidão para incluir condições degradantes e exploração de vulnerabilidades.
"É essencial rechaçar estereótipos limitadores, como aquele segundo o qual a escravidão contemporânea somente se concretiza com a restrição da liberdade de locomoção."
O magistrado ressaltou que o caso revela o "modus operandi" da exploração, em há "utilização de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, sem oportunidades alternativas de subsistência, submetidas a trabalho sem remuneração, em condições degradantes e sem assistência médica ou terapêutica adequada".
Na sentença, o juiz determinou a anotação das CTPS digitais dos seis trabalhadores, o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias correspondentes, além de indenização por danos morais coletivos de R$ 50 mil, a ser revertida ao Fundo de Direitos Difusos, e indenização individual de R$ 10 mil para cada trabalhador resgatado, bem como o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer para sanar as irregularidades constatadas.
Processo: 0010274-60.2024.5.03.0038
Leia a decisão: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.migalhas.com.br/arquivos/2025/10/B08095A7979A01_Documento_d8cbc7a.pdf