Paniquito no mercado deve passar, mas é lembrete de que dinheiro barato acabará.
ESSE REMELEXO no mercado americano vai espalhar brasa sobre o Brasil? Quem soubesse com certeza tal coisa não contaria a ninguém ficaria rico.
Desde maio de 2013 espera-se que poderia haver algum problema quando o banco central dos EUA (Fed) decidisse elevar a taxa básica de juros para valer, quando a inflação voltasse, com o crescimento maior de economia e salários. Apesar de alarmes anuais, nada acontecera. Mas a era de dinheiro barato no mundo rico vai acabar, seja com um murmúrio ou com uma explosão.
Juros em alta costumam derrubar Bolsas, para começar. Aqui, elevariam juros e dólar, prejudicando nosso minicrescimento. Além do mais, em viradas econômicas ou financeiras, não raro descobre-se que o mercado estava fazendo apostas malucas, o que pode causar desastres históricos, como em 2007-08. Nesse caso, estaríamos estrepados, ainda mais agora, que temos água pelo nariz. Marola nos afoga.
Desde 2013, o Fed eleva os juros devagarinho. Muita gente graúda e entendida diz que o crescimento do mundo rico será baixo por muito tempo, que não haverá inflação relevante e, assim, não haveria alta rápida de juros. Os EUA vão completar uma década com taxa de juros de curto prazo em torno de zero.
Há quem diga, porém, que o país estaria, enfim, crescendo além da conta, com desemprego baixo demais, salários em alta e, de resto, sem a muleta da desinflação mundial propiciada até faz pouco pela China, que despejava produtos cada vez mais baratos no resto do planeta.
O que o Brasil pode fazer? No essencial, o que precisa fazer, com ou sem crise lá fora: conter o endividamento do governo. Com dívida alta e esse crescimento raquítico, uma alta de juros vai nos levar à breca.
A bagunça destes dias piorou porque a variação do preço das ações provocou perdas pesadas em um desses cantos esquisitos do mercado, até sexta-feira (2) muito rentável. Dinheiro posto em exchange traded notes (ETNs) evaporou. Houve turumbamba também em exchange traded funds (ETFs, aplicações que pretendem replicar a variação de preços de um ou mais ativos, como um índice de Bolsa, mas baseadas na posse de parte desses ativos).
As ETNs são títulos de dívida emitidos por bancos, um contrato em que um banco promete pagar a rentabilidade de um índice financeiro qualquer (como a variação de um índice de ações, para dar um exemplo de jardim da infância) e, talvez, também rendimentos atrelados de modo criativo a outro ativo.
No negócio que deu mais prejuízo, o contrato vendido por bancos era atrelado a um índice de volatilidade (variação) do mercado de ações, o VIX, por sua vez baseado na variação do preço das opções de negócios com as ações do índice S&P 500.
Em suma, ganhou-se dinheiro apostando na variação anormalmente baixa do preço das ações. O remelexo desde sexta-feira bastou para levar o VIX ao nível mais alto desde 2015.
Houve perdas totais em vários ETNs. Tentativas de evitar mais danos e riscos e de cobrir buracos levam a compras e vendas desesperadas, com efeitos em cadeia, para resumir história muito enrolada. Mais uma vez, o rabo abanou o cachorro: um canto do mercado balançou o coreto inteiro. Mas esse foi apenas sintoma de mudança maior.
                  
Fonte: Folha de São Paulo, 07 de fevereiro de 2018