Sem surpresas, juros andaram de lado à espera da queda da inflação rumo às metas de 2023 e 2024. Embora a autoridade monetária tenha classificado o nível de incerteza como 'maior que o usual', reforçou que não se guiará pelas especulações que tem sacudido o mercado. Mas a porta para novos apertos monetários segue aberta
Por Gustavo Ferreira, Valor Investe
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) surpreendeu um total de zero pessoas nesta quarta-feira (26) ao manter os juros básicos (Selic) a 13,75% ao ano. Pela terceira vez consecutiva, a autoridade monetária manteve a taxa nas alturas, sem tirar nem pôr, à espera da queda da inflação em bases anuais às metas de 2023 e 2024. A decisão foi unânime.
O dado mais recente de inflação, medido pelo IPCA-15 de novembro, mostra a alta do custo de vida para os brasileiros na altura dos 6,17% em 12 meses. Para este ano, já se dá como favas contadas a falha na missão de entregar a inflação na meta de 3,5%. Mais do que isso, acima do teto de tolerância de 5%. A expectativa média do mercado, hoje, mira os 5,92%.
Com lambuja de 1,5 ponto para cima ou para baixo, a meta de inflação para para 2023 é de 3,25% ao ano; para 2024, de 3%. Analistas esperam hoje por inflação fechando o ano que vem nos 5,08%, acima portanto do teto de 4,75%. Para 2024, a previsão é de 3,50%, acima do centro da meta - veja mais expectativa aqui.
A decisão foi unânime e veio em linha com o consenso do mercado. As dúvidas entre analistas, antes sobre quando a Selic começará a cair, agora passa também por eventual nova alta.
Antes das eleições, não era difícil encontrar no mercado quem mirasse corte de juros já no começo de 2023. Esses desdenhavam, primeiro, dos avisos do BC de que, antes de junho, nada feito. Em segundo lugar, minimizavam os riscos fiscais que, ganhasse quem ganhasse a eleição, teriam de ser enfrentados para viabilizar a máquina pública.
No embalo das discussão da PEC da Transição, no entanto, parece claro que a Selic não cai tão cedo. E que, se bobear, volta a subir, usando porta deixada entreaberta pela autoridade monetária para a necessidade de novo ciclo de ajustes. De uma forma ou de outra, essa é a única ferramenta nas mãos do BC para evitar movimentos de fuga do dólar e, portanto, eventuais pressões adicionais na inflação.
Em seu comunicado, o BC reforçou ser preciso "serenidade" para acompanhar o desenrolar dos fatos em Brasília.
Fez lembrar falas recentes de seu presidente, Roberto Campos Neto, avisando que não se guiará pelos mesmas especulações que têm trazido volatilidade ao mercado. Por outro lado, um nível de incertezas "muito acima do usual" foi destacado. E foi repetido o sinal dos últimos comunicados de que, a depender das consequências do balanço entre receitas e despesas do novo governo, está sim a postos para agir. Ou seja, não dá pra descartar eventual nova rodada de altas da Selic.
"O tom do comunicado veio com bastante ressalva e cautela. A palavra de ordem, sem dúvida alguma, é vigilância para não deixar a inflação sair do controle, pois a maioria das variáveis pode mudar rapidamente o cenário base do Copom. Ficou claro que o Copom poderá fazer novas altas de juros no futuro caso seja preciso", diz Idean Alves, educador financeiro, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil.
"Apesar do tom neutro, o comitê fez questão de enfatizar sua preocupação com relação a condução da política fiscal e quais os efeitos que pode ter sobre os preços e expectativas de inflação no futuro. O Banco Central começa a demonstrar um pouco mais de preocupação no que diz respeito ao âmbito fiscal e isso, de fato, vai impactar as suas decisões político-monetárias", diz Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed.
- Fora a cena interna, a externa é um obstáculo a ser considerado.
A recessão e os juros elevados lá fora também podem trazer pressão de alta ao dólar no Brasil. Nas últimas semanas, embora o banco central americano (Federal Reserve, o Fed) tenha indicado chances de reduzir o ritmo de alta de juros por lá, avisou também que o ponto final dos ajustes deve ser mais alto. Ou seja, tanto a contração da maior das economias, quanto os rendimentos em alta, pode aquecer a procura por proteção nos títulos da Casa Branca, em detrimento do mercado brasileiro.
Com os 13,75% ao ano, a Selic vai andando de lado em sua viagem no universo dos dois dígitos, abandonado em 2017 e retomado em janeiro. Ao mesmo nível de 13,75% de dezembro de 2016.
- Do ponto de vista do consumo, Selic mais alta implica empréstimos e financiamentos mais caros. E, assim sendo, serve de ferramenta para esfriar a demanda e, a reboque, preços.
Para o mercado financeiro local, a renda fixa pagando melhor significa menor poder de relativo de sedução para a renda variável. Já para o internacional, a renda fixa no Brasil passa oferecer retorno pouco mais alinhado à sorte de riscos oferecidos pelo país. Mais dólares podem ser atraídos ou menos afugentados. O que, por sua vez, vai na direção de controlar o canal cambial da inflação.
LEIA A ÍNTEGRA DO COMUNICADO
Em sua 251ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu manter a taxa Selic em 13,75% a.a.
A atualização do cenário do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:
O ambiente externo mantém-se adverso e volátil, marcado pela perspectiva de crescimento global abaixo do potencial no próximo ano, alta volatilidade nos ativos financeiros e um ambiente inflacionário ainda pressionado. A política monetária nos países avançados em direção a taxas restritivas e a maior sensibilidade dos mercados a fundamentos fiscais requerem maior cuidado por parte de países emergentes;
Em relação à atividade econômica brasileira, a divulgação do PIB apontou ritmo de crescimento mais moderado no terceiro trimestre. O conjunto dos indicadores mais recentes corrobora o cenário de desaceleração esperado pelo Copom;
Apesar da queda recente, especialmente em itens voláteis e afetados por medidas tributárias, a inflação ao consumidor continua elevada;
As diversas medidas de inflação subjacente seguem acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação;
As expectativas de inflação para 2022, 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 5,9%, 5,1% e 3,5%, respectivamente; e
No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 5,25*, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária "verde" em dezembro de 2022 e "amarela" em dezembro de 2023 e de 2024. Nesse cenário, as projeções de inflação do Copom situam-se em 6,0% para 2022, 5,0% para 2023 e 3,0% para 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de -3,6% para 2022, 9,1% para 2023 e 4,2% para 2024. O Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, que reflete o horizonte relevante, suaviza os efeitos diretos decorrentes das mudanças tributárias, mas incorpora os seus impactos secundários. Nesse horizonte, referente ao segundo trimestre de 2024, a projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,3%. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual.
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos; e (iii) um hiato do produto mais estreito que o utilizado atualmente pelo Comitê em seu cenário de referência, em particular no mercado de trabalho. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (iii) a manutenção dos cortes de impostos projetados para serem revertidos em 2023. A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal, requer serenidade na avaliação dos riscos. O Comitê acompanhará com especial atenção os desenvolvimentos futuros da política fiscal e, em particular, seus efeitos nos preços de ativos e expectativas de inflação, com potenciais impactos sobre a dinâmica da inflação prospectiva.
Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.
O Comitê se manterá vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.
Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.
*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.
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