Clarissa Valadares Chaves comenta recente medida do Tribunal Superior do Trabalho, que prevê tratamento diferenciado para as mulheres que atuam no comércio, apontando as polêmicas envolvendo o assunto.

por Cezar Xavier

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que mulheres que trabalham no comércio devem folgar aos domingos a cada 15 dias. Em entrevista, Clarissa Valadares Chaves, mestranda da Faculdade de Direito (FD) da USP, analisa as decisões recentes considerando como esta diferenciação pode criar discriminação da mulher no mercado de trabalho.

Na opinião dela, a justiça trabalhista nao tem conseguido acompanhar as diferenças culturais que envolvem as questões de gênero no trabalho. Se por um lado, a reforma trabalhista retirou essa proteção as mulheres, por considerar que “nao fazia sentido”, por outro, a justiça procura considerar a sobrecarga de trabalho imposta as mulheres e acaba gerando insegurança jurídica e risco discriminatório.

De acordo com Clarissa, “a principal questão é por que essa interpretação do TST pode nos ditar os próximos caminhos em relação a matérias que envolvam a mulher. Mas, especificamente em relação a esse caso, existe uma determinação na Lei 10.101 de que os trabalhadores do comércio em geral devem ter o seu repouso semanal remunerado a cada três semanas, coincidindo com o domingo. Em relação às mulheres, hoje em dia a maioria da turma do TST entende que ele deva coincidir com o domingo a cada duas semanas, ou seja, existe um tratamento diferenciado com as mulheres. O artigo 386 da CLT traz essa previsão.”

Após diversos outros dispositivos da CLT serem revogados, a mestranda entende que a justificativa é “porque não faz mais sentido trazer esse tratamento diferenciado para as mulheres. Então, hoje em dia, a corte superior trabalhista tem se posicionado nesse sentido, entendendo pela constitucionalidade dessa escala de revezamento a cada 15 dias”.

Clarissa Valadares Chaves – Foto: Arquivo pessoal

Existem diversos pontos e argumentos sobre a efetividade da decisão. “Os que sustentam que deveria se aplicar essa norma 386 da CLT é de que, por ela ser mais protetiva e que por, de fato, a mulher estar em uma sobrecarga de trabalho, realizando o que a gente chama de jornada tripla, conciliando não só a jornada de trabalho, mas a jornada de casa e de cuidado com filhos e familiares, faria sentido que ela tivesse essa proteção constitucional”, atesta Clarissa.

Por outro lado, a mestranda comenta: “Os que entendem que não deveria se aplicar a norma da CLT, mas sim a legislação específica aos trabalhadores do comércio em geral, justificam no sentido de que não haveria diferenças biológicas da mulher para tal tratamento diferenciado. Isso poderia, inclusive, configurar uma potencial discriminação e a Constituição veda o tratamento discriminatório entre homens e mulheres”.

De acordo com Clarissa, a corte superior trabalhista tem mudado constantemente nos últimos anos, mas, para ela, o foco é que, “de fato, a mulher está em uma sobrecarga de jornada, não só física, mas principalmente mental. Nós sabemos que existe de fato essa tripla jornada.

Mas esse tipo de legislação, no fim das contas, é vista por alguns como um “enxuga-gelo”, porque, de certa forma, reforça uma divisão sexual do trabalho, em que as mulheres têm dificuldade na progressão da carreira, no progresso remuneratório, inclusive de acesso a posições de confiança, e são essas as questões que sobressaem. As diferenças protetivas podem até dificultar o acesso da mulher ao mercado de trabalho.

“É um problema sobretudo estrutural, e a principal mudança seria mesmo cultural, mas o legislador não pode ficar a par dessas mudanças que precisam acontecer”. Clarissa parece se referir ao fato de homens e parceiros das mulheres precisariam dividir as responsabilidades com as mulheres para que elas nao fiquem sobrecarregadas e demandem tratamento diferenciado no mercado e trabalho.

Ela comenta que a legislação tem procurado prever proteções trabalhistas que garantam essa participação do homem nos afazeres domésticos. É o caso da licença paternidade ou direito de folga para acompanhar filhos ao médico. Mas ela considera essas medidas insuficientes para garantir a equidade na relação domestica. Parece que os direitos trabalhistas deveriam evoluir para garantir a atenção e proteção igualitária sobre homens e mulheres na responsabilidade sobre as tarefas com a família, e, assim, contribuir para a mudança cultural.

“Hoje em dia, a gente ainda está em uma situação de divergência jurisprudencial, mas, quando existe essa divergência, isso deve ser pacificado. Existem vários instrumentos processuais que trabalham nesse sentido de pacificação, a análise de compatibilidade constitucional é feita ao final das contas pelo Supremo Tribunal Federal, mas essa é a nossa situação hoje em dia.”

Edição de entrevista a Rádio USP

https://vermelho.org.br/2022/03/08/tst-decide-folga-quinzenal-aos-domingos-para-mulheres-no-comercio/