OPINIÃO

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O isolamento social impôs uma crescente necessidade de adaptação das atividades empresariais ao regime de teletrabalho.

O artigo 75-A da CLT, incluído pela reforma trabalhista de 2017, definiu essa modalidade de prestação de serviços como aquela realizada fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. Contudo, a lei pouco explorou peculiaridades específicas do teletrabalho, o que é compreensível diante da reduzida relevância do tema antes do contexto pandêmico.

Mesmo diante de lacunas, cabe ao Direito regular as muitas dúvidas que têm surgido sobre o assunto. Algumas delas pontuais, como a possibilidade de controle da jornada de trabalho e a responsabilidade pelas despesas advindas de atividades prestadas fora das dependências da empresa. Outras, no entanto, muito mais amplas, tal qual a delimitação de fronteiras entre a intimidade do trabalhador e o poder diretivo do empregador. Afinal, seria possível demarcar os limites da atuação empresarial em um local reservado como o domicílio de seu empregado?

Em que pese a Justiça do Trabalho tenha se desdobrado para fornecer respostas adequadas para todas essas questões, é notório que existe uma crescente judicialização dessas matérias. E apenas normas específicas sobre o tema serão suficientes para estabelecer um patamar mínimo de segurança jurídica, para os trabalhadores e para as empresas.

Portugal foi um dos pioneiros na regulação do teletrabalho. A Lei 83/2021 foi considerada um avanço em muitos pontos, mas igualmente conservadora em outros.

Como regra, o teletrabalho deve ser ajustado de comum acordo. Em algumas situações, entretanto, o trabalhador português passou a ter o direito de exigir a prestação de serviços nessas condições. Temos, por exemplo, que a empresa não pode se opor a pedidos desse tipo quando solicitados por empregados com filhos de até oito anos de idade, sempre que suas funções forem compatíveis com o teletrabalho.

A nova lei também foi expressa em determinar que o empregador é responsável não apenas pela disponibilização dos equipamentos necessários à realização do trabalho, mas também por arcar com o aumento das despesas, como acréscimos na conta de luz ou melhorias em planos de internet.

Entretanto, a realidade tem demonstrado que é muito difícil identificar qual despesa decorre da atividade normal da residência e qual é oriunda do trabalho. E esse ponto tem gerado muitas discussões no país: não há clareza na lei sobre a forma pela qual esse pagamento deve ser calculado. Isso fez com que muitas empresas começassem a pagar gratificações em valores fixos, evitando uma apuração individual. Não raramente, em quantias insuficientes para cobertura das despesas adicionais.

Um ponto louvável da nova legislação diz respeito à busca pela preservação da intimidade do trabalhador, com a proibição de contato entre as partes da relação de emprego após o final do expediente. O chamado direito à desconexão ganhou extrema relevância no contexto pandêmico com o aumento de doenças de natureza psicológica, agravadas pela rotina do teletrabalho.

Cada vez mais torna-se difícil a distinção entre o ambiente de descanso e o ambiente de trabalho. Diversos estudos demonstram um aumento no sentimento de culpa por baixa produtividade e maior cobrança interna por desempenho, em que pese o número de horas trabalhadas tenha aumentado. Essa proibição expressa da legislação portuguesa busca, assim, garantir que o trabalhador possa efetivamente usufruir de períodos de folga ao final de sua jornada.

Essa é apenas uma das hipóteses em que o poder diretivo é limitado pela nova lei. Também é proibido que se imponha conexão permanente durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som. Eventuais visitas ao seu domicílio, com o objetivo de coordenar a atividade empresarial, devem ser precedidas de um aviso prévio de 24 horas e da concordância do empregado. Assim, o controle das atividades deve sempre levar em consideração a intimidade do trabalhador e sua privacidade no âmbito residencial.

Por fim, a nova lei se mostra pouco inovadora em matéria de segurança e saúde do trabalho. Ainda que preveja expressamente que o regime legal de reparação dos acidentes e doenças profissionais aplica-se às situações de teletrabalho, pouco acrescenta a respeito de dúvidas específicas que continuam a surgir nessa seara.

Temos muito a aprender com os erros e os acertos da legislação portuguesa. A matéria ainda será aperfeiçoada em futuras alterações legislativas e suas lacunas preenchidas pela jurisprudência. Qualquer que seja o caminho traçado em terras brasileiras, fica claro que a regulação do teletrabalho deve ter como norte uma relação de trabalho mais justa e eficiente, buscando robustecer os benefícios para ambos os envolvidos e coibir abusos.

Referências bibliográficas
https://www.publico.pt/2022/01/23/economia/noticia/empresas-comecam-pagar-despesas-teletrabalho-atraves-valor-fixo-1992779.

https://brasil.elpais.com/estilo/2020-09-25/sentir-se-culpado-por-nao-fazer-nada-por-que-quando-nos-confinam-ficamos-obcecados-em-ser-produtivos.html.

https://boaforma.abril.com.br/especiais/culpa-x-pandemia-estou-sendo-produtivo-o-bastante/.

 é advogado trabalhista e mestrando pela Universidade do Porto (Portugal).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2022-fev-25/vitor-dias-teletrabalho-portugal-isolamento-desconexao