A imagem do juiz sem a máscara do lavajatismo já chegou a Washington, numa crítica ao modo como ele demoliu os pilares do estado democrático de direito para eleger Bolsonaro.

por Traduzido por Cezar Xavier

O colunista do Washington Post, Mac Margolis, assessor do Instituto Brasileiro Igarapé, escreveu hoje sobre a situação de Sérgio Moro na disputa presidencial, em que “evoluiu” do xerife lavajatista para “idiota útil de Bolsonaro”, ao silenciar sobre as acusações que se acumulam sobre a família presidencial, após agir contra os pilares do estado democrático de direito para prender Lula.

Leia a íntegra do artigo:

Sérgio Moro passou de xerife do Brasil a idiota útil de Bolsonaro. Ele conseguiria impulsionar uma candidatura presidencial?

O ex-juiz criminal brasileiro Sérgio Moro fala baixinho, mas carrega consigo um grande truque. Comece com o título de seu novo livro de memórias , “Contra o Sistema de Corrupção”, um slogan auto-engrandecedor que o ex-juiz anti-suborno uma vez se gabou como sua descrição de trabalho e agora pretende reaproveitar em sua presumível candidatura presidencial.

Ele vai precisar de mais do que uma frase de efeito. Os defensores de Moro esperam que ele abra um caminho intermediário em uma eleição dividida entre direitistas coléricos e uma esquerda vingativa. No entanto, as pesquisas mostram que ele ocupa um distante terceiro lugar nas eleições de outubro, com cerca de 9% de apoio. Ele está atrás do presidente Jair Bolsonaro (22%), sob o qual Moro atuou brevemente como ministro da Justiça, e do favorito Luiz Inácio Lula da Silva (48%), o ex-presidente que Moro prendeu apenas para ver o veredicto anulado pelo Supremo Tribunal, tanto por ser tendencioso, como ridicularizado em público como um trabalho de sucesso. A recente hospitalização de Bolsonaro por dor abdominal – decorrente de complicações do ferimento de faca que sofreu na campanha de 2018 – deve retardá-lo, mas não diminuir suas ambições de reeleição ou até ganhar muito mais simpatia.

Não importa, Moro tem uma missão. Seu livro define 2014 como o Ano Zero do Brasil. Naquele ano, lançou a Operação Lava Jato, a ampla investigação sobre esquemas de “toma, lá, dá, cá”, presidida pelo próprio Moro. Ele tem uma causa provável. Em sete anos, a operação gerou 179 ações criminais, 209 acordos de leniência de infratores confessos e ordens de confiscar US$ 2,7 bilhões em dinheiro público roubado. O caso se espalhou pelas Américas, derrubando presidentes, executivos, burocratas e facilitadores obscuros do Peru ao Panamá. O Departamento de Justiça dos EUA chamou a Lava Jato de “o maior caso de suborno estrangeiro da história”.

Ainda assim, as ações de Moro traem ambições além das câmaras. Ele jogou sem desculpas para a opinião pública. Conseqüentemente, a moralizante mise-en-scene da Lavajato de batidas policiais antes do amanhecer, magnatas algemados, escutas telefônicas e testemunhos vazando estrategicamente. Este foi um alimento estimulante para um público farto da política de sempre. Isso também disparou pela culatra.

Moro ordenou que Lula fosse sob custódia policial para depoimento, uma demonstração dramática de força quando uma intimação teria bastado. Ele divulgou conversas privadas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, capturadas irregularmente após o vencimento de uma ordem de escuta telefônica. Uma coleção de mensagens de telefone  hackeadas  também sugeria que Moro treinou promotores em casos que ele foi designado para ouvir, uma flagrante violação da imparcialidade judicial. Tal exagero acabou valendo a censura do Supremo Tribunal e a Lula uma ficha limpa. “Buscamos justiça pela sobriedade e equidade”, disse Octavio Amorim Neto, analista político da Fundação Getulio Vargas. “Em vez disso, eles nos deram teatro político e publicidade.”

Alguns analistas comparam os excessos da Lavajato aos de uma insurreição anterior, quando nesta época do século passado uma cabala de intelectuais insatisfeitos, monarquistas e oficiais militares juniores conspiraram para derrubar a república venal que substituíra a monarquia decadente. Os brasileiros chamam isso de Tenentismo, em homenagem aos jovens tenentes que lideraram a revolta. Os tenentes fracassaram, mas o Tenentismo floresceu.

O Brasil agora tem “tenentes em mantos”. Esse é o termo que o cientista político brasileiro Christian Lynch cunhou para os promotores e juízes hiperativos que se transformaram em redentores e fundiram suas ações com uma revolução moral fundamental. “Este era o ponto sem volta”, escreve Moro, citando de forma reveladora a cena de “Os Intocáveis” em que Eliot Ness vai com tudo contra Al Capone.

No entanto, erradicar a corrupção sistêmica exige mais do que heróis de ação. Cumprir o estado de direito e uma jurisprudência confiável faria maravilhas. Em vez disso, “o judiciário brasileiro está eternamente aberto a revisões”, diz Luciano Da Ros, professor de ciências sociais da Universidade Federal de Santa Catarina. “Os juízes individuais têm enorme poder discricionário para interpretar a lei, muitas vezes se contradizendo”.  Considere que 82% dos 99.000 casos julgados pela Suprema Corte em 2020 foram decididos por um único juiz, um convite à arbitrariedade.

Isso aumenta o risco para negócios ou qualquer outra coisa no Brasil. “Em muitas partes do mundo, o judiciário é uma fonte de estabilidade institucional, onde os conflitos são definitivamente resolvidos”, disse Da Ros, coautor do próximo livro “Política Brasileira em Julgamento: Corrupção e Reforma sob a Democracia”. “No Brasil, é como uma loteria gigante.”

O Brasil sem dúvida é melhor para lava-carros. Em outubro, a Petrobras, a empresa de petróleo brasileira no centro do escândalo, concluiu seu acordo histórico com as autoridades dos Estados Unidos para apertar a governança corporativa para evitar fraudes e suborno. Ainda assim, os políticos desonestos com xícaras sem fundo que Moro e seus tenentes juraram parar ainda continuam, com uma piscadela e um aceno de cima.

Durante seus 16 meses como ministro da Justiça de Bolsonaro, Moro viu os interesses do palácio desfigurarem seu principal projeto de lei anti-crime e pisar no comando da polícia federal. Ele permaneceu mudo enquanto escândalos de corrupção em série engolfavam a primeira família, finalmente renunciando no ano passado. A Operação Lavajato foi encerrada em fevereiro.

Seguindo as pegadas de Lula, um grupo de condenados da Lavajato está contratando advogados sofisticados para limpar suas fichas. Os tribunais de apelação já anularam 14 processos, totalizando 277 anos de prisão, informou o jornal O Estado de S. Paulo.

Moro arriscou sua reputação para se tornar o xerife do Brasil em uma cruzada nacional contra a corrupção. Agora ele corre o risco de ser lembrado como o idiota útil de Bolsonaro.

VERMELHO

https://vermelho.org.br/2022/01/05/colunista-do-post-diz-que-moro-evoluiu-a-idiota-util-de-bolsonaro/