OPINIÃO

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A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/2021 visa a modificar a sistemática de pagamento de precatórios. A PEC em questão já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está em vias de ser votada pelo Senado Federal.

Segundo o governo federal, principal interessado na sua aprovação, a PEC 23/2021 resultaria num necessário desafogo das contas públicas, visto que a necessidade de pagar os precatórios, nos termos hoje vigentes, gera um custo que inviabilizaria a assunção de outras despesas, como, por exemplo, o pagamento de R$ 400 à população carente a título do programa Auxílio Brasil até o final de 2022.

Assim, em síntese, o que está em jogo é o seguinte: o governo federal pretende institucionalizar um calote no pagamento de precatórios, visando a obter uma importante liberdade orçamentária que seria utilizada para custear, entre outros itens, o programa Auxílio Brasil. Coincidentemente ou não, trata-se de ano eleitoral.

Apesar das aparentes boas intenções de tal medida, as críticas que podem ser feitas à PEC 23/2021 são inúmeras. Em síntese, pode-se apontar três ordens de problemas: 1) atualização dos precatórios exclusivamente pela taxa Selic; 2) limitação das despesas anuais com precatórias, em que o poder público é, ao mesmo tempo, réu e devedor; 3) falácia dos motivos que fundamentam a tentativa de emplacar a PEC em questão.

Para se dimensionar o grande impacto que a PEC 23/2021 gerará nas contas públicas caso aprovada (há quem a chame de "meteoro"), tem-se que os dados do governo indicam uma despesa com precatórios de R$ 89 bilhões em 2022. Contudo, caso validados os novos critérios propostos, tais valores seriam limitados para aproximadamente R$ 40 bilhões.

Quanto ao ponto 1, consta do texto da PEC 23/2021 que os precatórios que não forem expedidos em decorrência do teto de gastos assim ajustado terão prioridade para pagamento nos anos seguintes, a serem corrigidos monetariamente pela taxa Selic. Atualmente, a correção se dá pelo IPCA + 6% ao ano ou, em alguns casos, pela própria taxa Selic que agora se tenta universalizar.

Acontece que a tentativa de atualização de precatórios pela taxa Selic, de forma universal e irrestrita, já foi julgada inconstitucional pelo STF quando da ADI 4.357, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, oportunidade em que se analisou a PEC 62/2009, não à toa conhecida como "emenda do calote".

Na oportunidade, o ministro Luiz Fux bem apontou que a taxa Selic não é um referencial idôneo para mensurar a perda de poder de compra da moeda brasileira no tempo, visto que fixada em critérios que não guardam relação de pertinência com a inflação. Nesse sentido, veja-se que o "Boletim Focus", pesquisa semanalmente publicada pelo Banco Central, reviu recentemente suas projeções para a inflação em 2022, fixando-a em 4,96%, enquanto a Selic, apesar de ainda estar definida em 7,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom), já conta com sinalização de provável elevação em mais 1,5%, totalizando 9,25%. [1]

Logo, já nesse ponto há dois problemas graves. Em primeiro lugar, a insistência numa discussão já rechaçada pelo STF; em segundo lugar, a insistência em adotar um critério de correção dissociado da realidade que visa a compensar.

Quanto ao ponto 2, necessário recordar que precatórios nada mais são do que despesas geradas pelo próprio poder público, visto que fruto de condenações judiciais já transitadas em julgado. Ou seja, a cristalização de um dever de reparar uma violação a direitos causada pelo próprio poder público, de forma que se mostra no mínimo questionável uma tentativa de burlar a reparação de um dano por si mesmo causado.

Noutros termos, a PEC 23/2021 consiste numa tentativa de o próprio devedor estabelecer um limite ao seu dever de pagamento que lhe seja "razoável", como se afirmasse: "Devo, não nego, mas pago quando puder". É nesse sentido que a PEC também prevê uma possibilidade de parcelamento de precatórios, o que igualmente já foi declarado inconstitucional pelo STF.

 é sócio do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-dez-07/guimaraes-afinal-presta-pec-precatorios