OPINIÃO

Por 

Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988). Sendo assim, cabe à lei punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, inciso XLI, da Constituição da República).

A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, de 1958, dispõe sobre discriminação em matéria de emprego e profissão.

No âmbito dos direitos sociais trabalhistas, o artigo 7º da Constituição Federal de 1988 estabelece a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (inciso XX), bem como a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (inciso XXX) [1].

Evidentemente, não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez (artigo 391 da CLT). Além disso, em regulamentos de qualquer natureza, convenções e acordos coletivos ou contratos individuais de trabalho não são permitidas restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez (artigo 391, parágrafo único, da CLT) [2].

É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outras, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 (artigo 1º da Lei 9.029/1995, com redação dada pela Lei 13.146/2015).

De forma mais específica, constitui crime a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez (artigo 2º, inciso I, da Lei 9.029/1995). A pena é de detenção de um a dois anos e multa.

Esclareça-se que são sujeitos ativos mencionado do crime: a pessoa física empregadora; o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista; o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das Administrações Públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Nesse contexto, é vedado exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego (artigo 373-A, inciso IV, da CLT).

Por outro lado, a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória, pois fica vedada a dispensa de forma arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (artigo 10, inciso II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral: "A incidência da estabilidade prevista no artigo 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa" (STF, Pleno, RE 629.053/SP, relator ministro Alexandre de Moraes, DJe 27/2/2019).

A respeito do tema, cabe fazer referência ao entendimento de que a exigência de exame de estado de gravidez quando da dispensa da empregada não configura ato discriminatório, nem afronta à intimidade, pois tem como objetivo obter segurança jurídica no término do contrato de trabalho, no sentido de saber se a trabalhadora está gestante, circunstância que ela própria pode desconhecer, para fins do direito à respectiva estabilidade provisória [3].

No entanto, em sentido divergente, entende-se que, embora o mencionado exame possa ser realizado de forma voluntária ou consentida, a sua exigência pelo empregador, mesmo quando da dispensa da empregada, impondo a sua realização e apresentação, afronta a intimidade da trabalhadora (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988).

Efetivamente, a exigência de exame de gravidez, em desacordo com a vontade da empregada, gera violação da sua esfera íntima, não podendo a pessoa ser obrigada a ter aspectos de sua vida pessoal expostos dessa forma.

Em termos de ponderação, mesmo que o empregador possa ter interesse em saber sobre o estado de gestante da empregada quando da despedida, em razão do possível direito à estabilidade provisória [4], impor a realização e apresentação do exame de gravidez sem considerar a vontade da trabalhadora revela-se medida nitidamente desproporcional, considerando a gravidade da afronta ao direito à intimidade que disso resulta.

Por ser a intimidade assegurada como direito fundamental e da personalidade (artigos 11 do Código Civil e 223-C da CLT), a sua violação acarreta dano moral (extrapatrimonial), o que torna devida a respectiva indenização (artigos 12 do Código Civil e 223-F da CLT), conforme artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988.

Cabe, assim, acompanhar os possíveis desdobramentos dessa relevante questão, notadamente perante o Supremo Tribunal Federal.

 

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 986.

[2] "Recurso de revista da reclamante. Controle gestacional. Conduta empresarial ilícita, discriminatória e ofensiva à dignidade das trabalhadoras. Dano moral. Indenização. [...] O ordenamento jurídico, para além do estabelecimento da igualdade entre homens e mulheres no artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988, já voltou seu olhar para a especial vulnerabilidade das mulheres no mercado de trabalho, em razão das suas responsabilidades reprodutivas, razão por que prescreveu a ilicitude de qualquer conduta voltada ao controle do estado gravídico das trabalhadoras. Nesse sentido, os artigos 373-A e 391, parágrafo único, da CLT. Saliente-se que a pretensão abstrata de estender seu poder empregatício para além das prescrições sobre a organização do trabalho, alcançando a vida, a autonomia e o corpo das trabalhadoras, revela desrespeito grave à dignidade da pessoa humana, que não se despe de sua condição de sujeito, nem da titularidade das decisões fundamentais a respeito da sua própria vida, ao contratar sua força de trabalho em favor de outrem. Está caracterizada, satisfatoriamente, a conduta ilícita e antijurídica do empregador, capaz de ofender a dignidade obreira, de forma culposa. Ao se preocupar exclusivamente com o atendimento de suas necessidades produtivas, constrangendo as decisões reprodutivas das trabalhadoras, a reclamada instrumentaliza a vida das suas empregadas, concebendo-as como meio para a obtenção do lucro, e não como fim em si mesmas. Constatada violação dos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal; 373-A e 391, parágrafo único, da CLT; e 186 do Código Civil. Indenização por danos morais que se arbitra no valor de R$ 50.000,00. Recurso de revista conhecido e provido" (TST, 7ª T., RR-755-28.2010.5.03.0143, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 19.09.2014).

[3] "II - Recurso de revista. Acórdão do regional publicado sob a égide da Lei 13.467/2017. Exigência de realização de exame para averiguação do estado gravídico. Ato de dispensa da empregada. Dano moral. Configuração. Indenização. A lide versa sobre o pleito de indenização por danos morais decorrentes da exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa da trabalhadora. A exigência do exame de gravidez é vedada pela legislação, a fim de inibir qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvados, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente (artigo 7º, XXXIII, CF; artigo 1º, Lei 9.029/95), sendo tipificada como crime ‘a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez’ (artigo 2º, Lei 9.029). A CLT também proíbe a exigência de atestado ou exame para comprovação de gravidez na admissão ou para permanência no emprego (artigo 373-A, IV). Assim, a CLT como a Lei 9.029/95 vedam a prática de ato discriminatório para efeito de admissão ou manutenção no emprego. A finalidade é impedir que o empregador, tendo conhecimento prévio do estado gravídico, deixe de admitir a candidata ao emprego, praticando, dessa forma, ato discriminatório. A exigência de exame de gravidez por ocasião da dispensa não pode ser considerada um ato discriminatório, tampouco violador da intimidade da trabalhadora. Pelo contrário, visa dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, na medida em que, caso a trabalhadora esteja em estado gestacional, circunstância que muitas vezes ela própria desconhece, o empregador, ciente do direito à estabilidade, poderá mantê-la no emprego ou indenizá-la de antemão, sem que esta necessite recorrer ao judiciário. O que se resguarda, no caso, é o direito da empregada gestante ao emprego (artigo 10, II, b, do ADCT), bem como do usufruto da licença previdenciária. Por outro lado, não é somente o direito da gestante que se visa resguardar com a estabilidade provisória decorrente. O nascituro também é objeto dessa proteção, tanto que o direito do nascituro também está implícito do artigo 10, II, b, do ADCT. Assim, não há que se falar em eventual violação ao direito a intimidade quando também existem direitos de terceiros envolvidos, devendo ser realizada uma ponderação dos valores. Ademais, o ato de verificação de eventual estado gravídico da trabalhadora por ocasião da sua dispensa está abarcado pelo dever de cautela que deve fazer parte da conduta do empregador. Assim, como cabe ao empregador zelar pela segurança de seus funcionários no desempenho das atividades laborativas, também a observância do cumprimento da legislação, sobretudo a que resguarda a estabilidade da gestante, obrigações legais que estão abarcadas pelo dever de cautela do empregador. Com isso, não pode a exigência de comprovação do estado gravídico por parte do empregador, único meio para o conhecimento gestacional, ser considerada uma conduta ofensiva ao direito à intimidade. Não houve discriminação, tampouco violação do direito à intimidade da trabalhadora ao lhe ser exigido o exame de gravidez por ocasião da sua dispensa, e em consequência, a configuração do alegado dano moral passível de indenização, na medida em que se visou garantir o fiel cumprimento da lei. Intacto, portanto, o artigo 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido" (TST, 3ª T., RR - 61-04.2017.5.11.0010, Relator Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18.06.2021).

[4] Cf. Súmula 244, item I, do TST: "Gestante. Estabilidade provisória. I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (artigo 10, II, "b" do ADCT)".

 é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Direito pela Universidade de Sevilla, pós-doutorado em Direito pela Universidade de Sevilla, professor universitário, membro pesquisador do IBDSCJ, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (titular da Cadeira 27) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Revista Consultor Jurídico

https://www.conjur.com.br/2021-jul-29/garcia-exame-gravidez-despedida-direito-intimidade