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Não há dúvida de que a reforma trabalhista de 2017, trazida pela Lei nº 13.467/17, trouxe uma série de modificações relevantes ao Direito do Trabalho no Brasil. Desde então, empregadores, empregados e operadores do Direito aguardam, com certa ansiedade, a respectiva evolução jurisprudencial, o que inclui uma ampla revisão de súmulas e orientações jurisprudenciais da Justiça do Trabalho, inadequadas à nova lei. Até o momento, a referida evolução não ocorreu como esperado e isso tem gerado uma crescente insegurança jurídica, agravada por discussões baseadas em um conjunto de entendimentos desconexos com a legislação vigente.

A adequação da jurisprudência à nova norma foi tratada em decisão proferida pela 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (RR 305-75.2015.5.05.0492) no sentido de que a reforma trabalhista deve prevalecer sobre a jurisprudência do TST se a decisão judicial não contiver fundamento legal específico, baseando-se apenas em princípios genéricos.

O posicionamento se deu em caso que já estava sendo discutido em sede de recurso de revista, interposto por reclamante pretendendo o pagamento de indenização por danos morais pelo uso de uniforme com logomarcas de fornecedores, amparado no princípio da inviolabilidade da imagem. O reclamante buscou a revisão da decisão do TRT da 5ª Região, argumentando que entendimento desfavorável ao seu pedido violaria o artigo 5º, X, da Constituição Federal.

A empresa, por sua vez, sustentou que deveria ser aplicado o artigo 456-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista de 2017, segundo o qual: "Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada".

Na análise do caso pelo TST, o ministro relator Alexandre Luiz Ramos, seguindo a jurisprudência da Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) da mesma corte, entendeu que a indenização por danos morais seria, sim, devida, pois houve uso não autorizado da imagem do trabalhador. Refutou, ainda, o argumento da empresa em razão do princípio da irretroatividade, uma vez que o fato objeto da controvérsia ocorreu em período anterior à vigência da Lei 13.467/2017.

A 4ª Turma do TST, no entanto, acompanhou o voto divergente do ministro Ives Gandra, que sustentou que a jurisprudência sobre o tema se baseava estritamente em um princípio, e não em uma norma específica, não havendo direito adquirido frente à ulterior reforma trabalhista. Na linha do voto vencedor, afastar a aplicação da norma positivada mais recente (i.e. artigo 456-A da CLT) seria presumir, equivocadamente, a existência de direito adquirido à indenização, como se estivesse fundamentado em legislação anterior.

Em seu voto, o ministro Ives Gandra criticou expressamente, ainda, o chamado "ativismo judicial", utilizado como fundamento para condenações. Nas palavras do ministro, "a questão do direito adquirido é uma questão de direito intertemporal, no sentido do confronto entre lei antiga e lei nova, sob o prisma do cumprimento dos elementos que, segundo a lei antiga, eram aptos a gerar o direito previsto na lei antiga e que serão antepostos frente à lei nova, em nome da segurança jurídica".

É importante notar que o ministro Ives Gandra não deixa de reconhecer a jurisprudência como fonte importante de direito, especialmente quando ela interpreta legitimamente o ordenamento jurídico, explicitando o que, por ventura, não esteja claro. Não se pode, porém, admitir a concessão de vantagem econômica sem fundamento legal específico, utilizando dispositivo constitucional de caráter genérico e ignorando lei nova.

Como vivemos em um regime de separação de poderes do Estado, o Judiciário não pode prevalecer sobre o Legislativo. As decisões judiciais precisam considerar a legislação vigente regularmente elaborada e promulgada, para que possamos ter alguma previsibilidade nas relações da sociedade, incluindo as de trabalho.

Quase três anos após a entrada em vigor da reforma trabalhista ainda estamos distantes de uma pacificação jurisprudencial que traga a almejada segurança jurídica. Mais do que necessários, debates como o travado na 4ª Turma do TST são urgentes para caminharmos nesse processo de adequação do entendimento jurisprudencial à legislação vigente.

 é advogada do escritório Trench Rossi Watanabe.

 é advogada do escritório Trench Rossi Watanabe.

Revista Consultor Jurídico